Monday, November 17, 2008

Sintomas "Te amo"

Febre alta. Vontade de te esquecer.

Quero me apossar dos teus sintomas de mau humor: o café gelado, a boca fechada, as sobrancelhas desenhando um V no seu rosto, quase com raiva. Quero me apossar das tuas roupas, poucas. Dos teus sapatos pequenos. Das tuas malas prontas, querendo partir. Das duas horas antes de te conhecer. Dos dois segundos depois de te perder. Quero me apossar da sua voz rouca dizendo que me ama a qualquer hora da manhã. Quero me apossar dos teus segredos mais íntimos - aqueles que te deixam desnuda. Quero me apossar dos teus medos mais óbvios - aqueles que te deixam muda. E essa ausência de palavras me pede para parar de te desvendar. Mas eu não consigo ser mais forte que a doença que se apossa de mim. Desculpa amor, não consigo me desfazer desses sintomas. Sinto, mas te amo.

A febre baixou e a vontade de te esquecer também passou.

O tempo em que você nasceu

1947 poderia ser o ano da independência da Índia. Poderia ser o ano onde a Assembléia Geral das Nações Unidas votou a divisão da Palestina entre Árabes e Judeus. Poderia ser o ano de fundação do Fundo Monetário Internacional. 1947 poderia ser o ano onde ocorreu a primeira quebra da barreira do som. Poderia ser o ano de criação da câmera Polaroid. Poderia ser o ano da criação da arma AK-47. Poderia ser o ano em que o Presidente Truman, em um dramático discurso ao seu congresso anuncia a Doutrina Truman e é iniciada a Guerra Fria. Mas não. 1947 foi o ano do meu pai.
Pai, você ainda lembra o dia que você nasceu? Naquele tempo em que você ainda dependia dos seus pais para andar, comer e começar a falar. Mas, rapidamente você cresceu e aprendeu a fazer as coisas sozinho. Os cabelos foram mudando de cor, as mãos ficaram maiores, os medos chegaram. E os primeiros amores também. Os amores de infância, aqueles amores inocentes que não machucam, não mordem. Os chamados pequenos amores. Pequenos não por não terem importância. Pequenos por serem os primeiros e pelo pouco tempo que duram. Eles não passam de alguns dias, alguns olhares. Passam rapidamente. Assim como o Tempo. Assim como a Vida. Assim como o ano em que você nasceu.
Naquele tempo o mundo parecia uma fotografia antiga, né? Preto e branco. Sem violência. As grandes guerras tinham acabado de terminar e a paz parecia, enfim, reinar. Infelizmente tudo passa. As guerras passaram. A paz já passou diversas vezes. E você também não parou no tempo. Continuou crescendo. Conquistou a sua independência. Foi em busca dos teus sonhos. Seguiu tuas escolhas. Escolheu seus caminhos. aceitou os desafios. Riu muito. Chorou bastante. É só assim que se aprende a viver. O grande motivo da vida é que estamos sempre aprendendo a viver. Por isso dizem que ela é infinita. Assim como são infinitas as decepções, as alegrias, as responsabilidades, as necessidades, as pequenas paixões, os grandes amores, as quedas, as ascensões.
Pai, o Tempo passa rápido, não é? Ontem você nem tinha emprego, hoje você está quase se aposentando. Ontem você não tinha filhos, hoje você já tem um neto. Ontem você não sabia falar, hoje já tem discursos espalhados pelos quatro cantos do mundo. Pai, hoje pelos seus cabelos cinzas, vejo que a vida continua passando depressa. Ontem eu cabia no seu colo, hoje já quase não caibo mais no seu abraço. E são essas pequenas lembranças do tempo em que você nasceu que trazem as maiores recordações que a vida, infinita, pode nos proporcionar.
Parabéns.

Thursday, November 13, 2008

Um poema para dois amantes

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Você mergulha nos meus braços procurando um lugar seguro
Olha pro céu sem pestanejar
Balbucia palavras que não entendo
E, desatenta, tenta dizer que me ama.

Eu me jogo num precipício buscando seguir o seu mergulho
Olho pro chão, me enterro
Me vicio em você
E, desatento, tento dizer o mesmo.

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Saturday, October 11, 2008

A grandeza das pequenas paixões

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Sei que nunca fomos grandes. Sei que nunca tivemos grandes amores. Nosso destino sempre nos obrigou a enfrentar pequenas paixões. Aquelas que nos rasgam por dentro, nos derrubam em abismos incertos, nos destroem em segundos precisos, nos engolem com vontade absurda, nos maltratam com imensas mãos calejadas, mas continuam pequenas. As paixões são sempre pequenas. Sou obrigado a deduzir o quanto somos fracos, nós humanos, nós que amamos. Até as pequenas paixões nos reviram ao avesso e nos fazem perder dias, noites, tempos, prazeres, amores.
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Saturday, August 23, 2008

Contraluz

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Contra a luz, contra Deus e o mundo as sombras vão se multiplicando e se unindo como se fossem reflexos de corpos existentes, mas não existem. Apenas se refletem contra a luz.Contra a luz, contra Eu e o tudo as sombras vão se dividindo e se despedaçando como se fossem Deus, como se fossem o mundo, como se fossem eu, como se fossem tudo, como se fossem fugir, mas não fogem. Apenas se afastam com a luz.


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Thursday, August 14, 2008

Ao meu futuro

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Senti que você não queria conversar. Mas mesmo assim falei. Contei como foi o Tempo sem você. Contei como foi levantar sem te ver. Contei que vi filmes, visitei museus, passeei por caminhos vazios, encontrei desconhecidos – que permanecerem desconhecidos. Desconversei com pessoas inúteis, me entreguei pra sentimentos desnecessários, desvirginei paixões efêmeras, me encantei com situações perversas, questionei religiões diversas, tropecei em covas abertas, condenei inocentes, perdoei culpados, enganei meus princípios e aceitei, inconseqüente como sempre, as conseqüências que nunca vieram.


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Wednesday, July 02, 2008

O único erro

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Antes de vê-la partir de vez, tentei preservá-la, mais uma vez, como se você fosse única. Esse talvez tenha sido meu único erro. Não se preserva uma raridade. As raridades se preservam por si só. Portanto amor: preserve-se. Portanto amor: mantenha-se única e me deixe arrependido nesses sonhos múltiplos que sonho nos meus diversos sonos - sonos, esses, causados por esse único erro que cometi unicamente por tanto amar. Ou melhor: unicamente por tanto te amar.
Portanto amor: regresse. Por tanto amor, amor, regresse.
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Thursday, June 19, 2008

Predestinado a não ter destino

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Eu queria mesmo poder viver da minha loucura e sobreviver das minhas paixões. Achar um amor perdido e encaminhá-lo de mãos dadas para as portas ainda fechadas do paraíso ilusório. Pedir para que alguém as abra, e fazer de tudo para que ela consiga entrar. Eu não tenho vontade de entrar no paraíso. Não quero que minha vida se torne um inferno.
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Sunday, June 08, 2008

[Ir]real companhia

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Um dia meus sonhos vão morrer. Um dia sua morte vai sonhar. Eu só espero que nesse dia você esteja bem viva para admirar e acompanhar a minha morte solitária - já que não posso viver em sua [ir]real companhia.

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Saturday, June 07, 2008

Pequenas aspas

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O silêncio que se fez representa, calado, a falta que você me faz. E o que mais me mata é que “você” não faz nada para mudar esse “triste” fim. Coloco a tristeza entre aspas porque é o sentimento mais variável que eu conheço. Coloco “você” entre aspas porque é a pessoa mais inconstante que eu desconheço.

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Wednesday, June 04, 2008

[Re]morte

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Ela se enfiou nos meus maços como se quisesse ser fumada por mim. Ela desabou nos meus braços como se quisesse nascer de novo. Ela se escondeu nos meus sonhos fracos para me dar força para sonhá-la melhor - mas eu não quero sonhá-la, nem nascê-la, nem vivê-la, quero morrê-la, quero morrê-la, quero morrê-la.

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Friday, May 30, 2008

Autópsia de um poeta

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Não satisfeito com a minha morte. Fui buscar as causas. Abri meu peito poeticamente para descobrir quem eu sou sem me machucar. Machuquei a poesia sem descobrir quem eu sou e fechei-me.
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Sunday, May 25, 2008

Um mar de olhos [ parte 2 ]

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Pela profundeza dos teus segredos posso imaginar a loucura das tuas paixões.
Quero (me) quebrar como uma pequena onda. Quero aparecer sem causar estragos, mas aparecer. Quero surgir sem deixar vestígios, mas surgir.
Acariciar seu litoral e sumir delicadamente pelas areias pisadas pelos pés desconhecidos daqueles que te maltratam pouco a pouco e ousam te chamar de amor sem mesmo te conhecer por inteira.
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Monday, May 19, 2008

O silêncio incompreendido

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Ela trouxe o silêncio e alguns cigarros. Trouxe também aquele sorriso de canto e contou algumas histórias engraçadas. Pediu para que eu esboçasse um gesto de entendimento, mas eu não entendia nada. Trouxe os meus filhos, as minhas contas, os meus contos ainda não escritos e escreveu no espelho, em vermelho, que me amava. Mas quem ama não escreve em vermelho. Vermelho é a cor da paixão.

Contemplou o céu do meu quarto e levou tudo embora – como se eu já não soubesse que tudo o que ela trazia durante o dia já estivesse predestinado a partir antes de anoitecer. Pensou em dizer várias coisas, mas não disse nada. Ela sempre preferiu não dizer a ter que se explicar. E eu a entendo. Costumo dizer que não-dizer é falar calado. É o momento onde todos os pensamentos e todos os absurdos passam em fração de segundos em nós - como aqueles amores antigos do tempo em que ainda se amava em preto e branco e os amantes ainda podiam apreciar um verdadeiro final feliz (sem chorar).
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Wednesday, May 14, 2008

Um mar de olhos [ parte I ]

[...]

Pela correnteza dos teus olhos marejados
Tento me aproximar do porto mais distante do teu.
Não quero ancorar – só passei para te levar...
Mas você não quis se deixar levar
E eu me deixei naufragar.

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Sunday, May 11, 2008

Amores mal-resolvidos

Dos meus amores mal-resolvidos guardo boas lembranças e algumas cartas inacabadas. Guardo desenhos confusos e algumas velhas notícias. Guardo também muitas noites mal-dormidas e uma ou outra manhã mal-acordada.

Dos meus amores mal-resolvidos guardo todos os cigarros que eu nunca quis fumar e todas as palavras que preferi não mencionar. Guardo os poemas nublados assim como o céu incompreendido. Guardo também pequenas fobias e grandes oportunidades perdidas.

Dos meus amores mal-resolvidos guardo a melancolia de uma manhã chuvosa de Domingo e a raiva de uma tarde ensolarada de Segunda. Guardo as roupas, os cheiros, os hábitos e um bocado de boas risadas. Mas não quero rir agora.

Dos meus amores mal-resolvidos guardo quase tudo menos mágoas porque sei que são eles que me guardam dia e noite e me aguardam noite e dia como se, um dia ou uma noite qualquer, eu fosse tentar resolvê-los.

Thursday, May 01, 2008

O corpo cala

[...]
Eu interpretei sua distração como sendo excesso de sentidos se comunicando ao mesmo tempo. Seu olhar viajante me dizia eu te amo, suas pernas entortadas me diziam não se vá, suas mãos incansáveis diziam me abrace, enquanto o resto do seu corpo, já cansado, cobrava uma atitude. Uma atitude que eu nunca fui capaz de tomar. Felizmente seu corpo fala. Infelizmente meu corpo cala.
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Sunday, April 27, 2008

Ausente-se

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Por um instante acreditei tê-la em minhas mãos. Um curto instante, na verdade. Já que com você os instantes não passavam de alguns olhares tímidos, de algumas palavras silenciosas, de algumas pausas desconcertantes e de alguns minutos intermináveis que sempre acabavam antes da hora.
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Friday, April 18, 2008

Aqui por dentro

Instalado num lugar imperceptível dos seus olhos posso apreciar com mais nitidez o que você nunca ousou me contar. Eu sempre acreditei que no esconderijo da sua memória havia bem mais histórias interessantes do que nos contos infantis – que sempre me desinteressaram, por sinal. Eu sempre soube, mas nunca quis aceitar, que por dentro dessa sua pele, ainda desprotegida, existia um mundo que, de certa forma, te protegia. Um mundo repleto de amores cobertos de razões, um mundo entupido de dores inventadas por amores cobertos de razões, um mundo cheio de multidões desorientadas por amores cobertos de razões, um mundo transbordado por religiões desacreditadas por amores cobertos de razões, um mundo cheio dos deuses comuns cobertos de razões, um mundo transtornado de homens incomuns cobertos de razões, um mundo cansado de sonhos cobertos de razões. Um mundo que, de certa forma, me confortava. Era tão bom saber que dentro daquelas formas quase imperfeitas ainda reinava um sentimento imaturo e puro tentando se aperfeiçoar.
Através dos seus olhos:

Vi claramente os homens que te usaram – aqueles que te deram rosas e te disseram inúmeras vezes inúmeros “eu te amo´s”. Aqueles que não ligam mais se o seu cabelo cresceu dois centímetros ou perdeu um palmo. Aqueles que já souberam seu nome, seu endereço e já tiveram uma foto sua e que agora têm filhos com outras mulheres com outros nomes, moram em outras casas, aparecem em outras fotos, bebem em outros bares e se perdem por outros mares. Mares, esses, que você não poderá mais navegar.

Vi nitidamente as drogas que abusaram da tua insegurança - aquelas que te fizeram esquecer por algumas horas a realidade confusa que nos rodeia. Aquelas que te acolheram com a promessa de te levar para os lugares mais seguros e mais serenos que você podia imaginar. Mas quando acordou percebeu que não havia nem segurança, nem serenidade e muito menos lugares. Lugares, esses, que você não poderá mais encontrar.

Vi as suas crenças que caíram em desuso. Antes, você rezava por verdade. Hoje você reza por costume. Enquanto eu, acredite se quiser, ainda rezo por você. Rezo por você não por bondade-cristã, mas por ter sido incapaz de me acostumar com a falta que você me faz, principalmente, no momento que antecede a vontade de dormir. (Nessas horas eu sempre pensava em você). Eu só rezo por coisas que desconheço: você, deus, eu... Eu só prezo por coisas que desconheço: eu, deus, você... Eu só desprezo coisas que eu desconheço: deus, você, eu... Coisas, essas, que você não poderá mais enganar.

Por dentro, seu corpo sempre me pareceu uma fortaleza, apesar de testemunhar contínuas vezes os seus cílios oscilarem entre o destempero de viver uma paixão efêmera duradoura e o tenro prazer de se ter um amor eterno por um minuto.
Por fora, seu corpo sempre me pareceu uma fraqueza, apesar de continuar testemunhando constantemente pequenos sinais de melhoras e sentir, delicadamente, o esforço das suas pálpebras que se fecham. Prenda-me. Não me deixa sair aqui de dentro. Deixa-me morrer aqui. Deixa-me viver aqui?

Sunday, April 13, 2008

Pedaços de uma carta despedaçada

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Desejo conhecer a sua voz – será que ela tem o mesmo timbre quando acorda? Quando deita? Quando diz: “eu te amo” depois de fumar? Quando pede silêncio? Desejo conhecer o seu passado – Será que ele tem as mesmas aflições, as mesmas indagações e as mesmas inquietações que você tem hoje? Será que ele guarda segredos, imagens, atos, gestos, ofensas, amores que você tem medo de reencontrar ou reviver? Será que ele esconde palavras, declarações, vontades, desejos e direitos que nunca serão revelados? Desejo ler as suas mãos. Saber se o futuro nos reserva alguma coisa. Saber se as cartomantes estavam certas. Esquece. As cartomantes mentem. Talvez seja por isso que confio tanto nelas. Eu gosto de me iludir. E tem mais: saber que só as previsões mentirosas nos farão viver junto, de certa forma, me reconforta. Desejo conhecer seu rosto. Cansei de traçar milhões de possibilidades imaginárias na minha mente. Não quero me basear em probabilidades para definir uma certeza. E a certeza é que eu me perco nas minhas ilusões. Você é uma delas.
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Saturday, April 12, 2008

Basta você me bastar

[...]
Basta você esboçar um sorriso qualquer – mesmo irônico, pouco importa - para me deixar um pouco menos triste. Fique feliz por isso. Basta você olhar pela janela e me avisar que está chovendo – eu acredito. Nem me preocupo em abrir a minha para confirmar. Acredito em você. Basta você levantar de madrugada, sem saber onde olhar, sem saber me procurar, sem saber onde me achar, que eu já fico bem só de imaginar você perdida tentando me encontrar. Basta você começar a fumar, mesmo sabendo que o cigarro não te faz bem, que eu fico com ciúmes – ciúmes do seu cigarro. Eu sei que é quase ridículo sentir ciúmes de algo que não te faz bem – mas eu sinto. Quero ser esse cigarro. Esse cigarro que você fuma pela manhã e deixa pela metade durante o dia para terminá-lo delicadamente à noite, entre seus lábios. Quero ser esse cigarro grudado nos teus dedos, firme, com a certeza que você não vai me largar tão cedo e que mais tarde vou terminar morrendo inteiro na sua boca. Mesmo que você me apague depois, com a maior calma do mundo, como se não tivesse lhe proporcionado nada. Você me mata. E isso me basta. Quero ser esse cigarro que aparece nas tuas fotografias em preto e branco. Esse cigarro que libera a fumaça. A fumaça por trás da qual você se esconde. A fumaça por trás da qual você esconde sorrisos, bondade. A fumaça por trás da qual você esconde uma menina, uma menina que sonha, uma menina que dança, uma menina que some. Pensar em você me basta. Pensar em você me mata. Você me mata. E quando eu morro, eu caio no meu chão. Um chão onde existem apenas migalhas de pães mal-comidos, sobras de mulheres mal-comidas, restos de amores polêmico e um tapete colorido. Um chão onde existem poemas inacabados que nunca serão acabados, retratos envelhecidos que nunca serão renovados, sonhos esquecidos que nunca serão recordados, pedaços de noites desperdiçadas que nunca serão religados, alguns amores platônicos e você descolorida. Até descolorida você me basta. E isso me mata.
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Tuesday, April 08, 2008

O criador

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Eu criei o espelho para que cada traço seu tivesse um destino. Evitei a borracha para que cada curva sua fosse imperfeita e se aproximasse ao máximo de um ser normal. Projetei a luz para facilitar o teu caminho e fiz do seu ponto de vista o meu ponto de partida. Tentei achar o ângulo perfeito para que seu olhar não fosse fixo, e sim uma pérola apreciada pelos seus inúmeros encantos. Escrevi uma presse em latim para que você durmisse sem pressa (e sem entender) com o tom ainda rouco da minha voz de sonâmbulo. Por fim, inventei a dor para não sentí-la no dia em que tua ida falará mais alto do que o nosso amor.
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Saturday, April 05, 2008

Cômico e dramático

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Fui te ver, saí mais cedo. Desviei dos olhares invejosos daqueles que crêem que viver a vida é viver a vida do outro. Desviei dos becos, dos botecos e dos ecos e de todos os sons e de todos os vícios que me mantinham distante de você fisicamente. Digo fisicamente, porque a única coisa que a separação realmente separa é o físico.
Fui te ver, deixei tudo para mais tarde. Achei que mais tarde seria um bom momento para me dedicar a tudo o que não é você. Mas percebo que mais tarde ou agora é quase igual quando se tem alguém – ou quando se acha que se tem alguém.
Fui te ver e acabei me vendo. É cômico e dramático, mas nós somos o outro. Espelhos de algo que não reflete exatamente o que queremos, espelhos de algo que não nos encara como deveríamos.
Fui te ver, acabei me afastando de mim. É cômico e dramático, mas quando estamos com alguém vivemos uma fuga. Um mergulho inseguro em direção do não se sabe o quê. Um mergulho que pode dar certo, é claro. Mas como tudo o que pode dar certo, pode dar errado também. Cuidado para não se afogar, um mergulho irracional costuma ser sem volta. Alguém sem volta é alguém que nunca foi. Alguém que nunca foi é alguém sem ação. Alguém sem ação não é nada.
É dramático quando você ri de mim.
É cômico quando dramatizo você.
É que eu só queria ver um mundo colorido, mas devido às circunstâncias, hoje eu me contento com seu retrato em preto e branco.
[...]

Tuesday, April 01, 2008

A emoção de ter e a razão de perder

Um dia olhei pra mim e vi que faltava algo. Logo descobri que na verdade faltava alguém. Percebi também que eu precisava de ombros, de cílios e de lábios preenchidos com o semblante do meu sexo oposto.
E esses ombros seriam meu sustento. E esses cílios seriam meu concreto. E esses lábios seriam minhas vontades. Sabe quando você ama muito, mas não sabe porquê? Sabe quando você explode e acha que perdeu a razão? Você sabe o que é perdoar quem te magoa e magoar quem te perdoa? – isso é amor. Não enxergamos o que realmente deve ser visto, por isso dizem que o amor é cego e que os amantes são cínicos. Por isso dizem que o amor é lindo, mas que amar é quase mais dolorido que uma faca enferrujada enfiada na aorta. Sabe quando te julgam e você acha que perdeu a razão? Lembre-se, você não perdeu nada, você só se amou um pouco mais e eu te amo ainda mais por isso.
Sabe quando tudo acaba e você continua não sabendo porquê? Eu desisti de tentar entender e decidi racionalizar meus sentimentos, justamente por saber que a razão é a forma mais concreta de eternizar a emoção.
[ texto muito antigo - acho que de 2003]

Sunday, March 30, 2008

Dois elementos

Flores. Vinho. Velas. Jantar. Caixa de bombons em formato de coração. Música. Cheiros de essências. Carinhos . “Eu te amo” escrito em batom no espelho. Um vestido novo à sua espera na cama e um bilhete dizendo que eu já vou chegar.
Enquanto isso : Do outro lado do mundo, um casal mais ou menos parecido com o nosso deve estar planejando planos parecidos com os nossos e quer ter filhos como nós e quer construir uma casa como a nossa e quer discutir a relação como nós.
E eu me pergunto : Se existem tantas formas de amar porque a maioria insiste em demonstrar da mesma maneira o amor que elas sentem ? Se existe uma gama infinita de possibilidades para agradar quem amamos porque insistimos sempre em escolher a obviedade ?
E eu me respondo : Talvez seja pelo fato que todos nós temos dentro de nós um medo imenso e bobo : se machucar. Talvez seja porque amar de forma óbvia é uma forma de amor mais segura. Enfim, é complicado arriscar. Colocar a dor de uma amor-perdido e a satisfação de um amor-ganho numa mesma balança pode acabar dando múltiplos resultados. O amor , nesse caso, é isso : dois elementos diferentes que sentem sentimentos óbvios que demonstram de forma óbvia o que eles sentem para não se machucarem.
Flores mortas. Vinho acabado. Velas apagadas. Jantar comido. Caixa de bombons sem bombons, mas o formato de coração continua. Sem música. Cheiro de gozo. “eu te amo” ilegível. Vestido amarrotado e um bilhete dizendo que eu já fui.

Friday, March 28, 2008

Em outras palavras

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Talvez eu nunca consiga te explicar claramente o que se passa na minha não-clara mente, portanto fique atenta ao que eu tento não te dizer porque é nessa falha de fala que falo calado tudo o que faltei em te dizer. Não sou um Santo – graças a Deus! Em outras palavras: sou um silêncio que tem muita coisa pra falar, mas que se cala por medo de falhar.
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Monday, March 24, 2008

Uma possível probabilidade de tê-la

Tê-la é quase impossível. Assim como é quase impossível não querer tê-la. Se a tivesse quase não saberia o que fazer. Não a tendo sei que posso quase refazê-la. É quase divertido tentar inventar um quase-começo para uma quase-história que tinha tudo para ser quase-bonita se não fosse sempre interrompida pelos invisíveis, inaudíveis e intermináveis gritos do Quase.

Tê-la é quase improvável. Assim como não tê-la é quase uma prova de paciência. É como se a vida que levo sem levá-la fosse parada. É como se a morte que me espera sem esperá-la fosse antecipada. É como se a dor que carrego sem carregá-la se acomodasse entre os espaços quase-apertados da minha memória, quase-entupida de você. É como se um quase-sonho fosse sonhado nesse exato quase-momento. É como se uma tela pintada por um pintor quase famoso trouxesse a sensação exata e colorida de como é tê-la, sem tê-la. É como se eu quase acordasse desse mesmo quase-sonho e quase visse nesse meu espelho imagens retorcidas, quase incompreensíveis, do quase vazio do artista que é ficar sem tê-la, nem tela. É como se eu acordasse com aquela quase-certeza de que aquilo que ficou incompleto acabou complementando o meu desejo quase-inútil de permanecer dormindo.

Compramos uma quase grande casa com um jardim quase sem fim. Acreditávamos em um quase-Deus. Éramos quase-felizes (com essa nossa quase-vida). Tínhamos três quase-filhos lindos e um quase-cão adestrado que quase fugiu quando soube que aquilo tudo não passava de uma quase verdade.

“Tê-la quase” ou “Quase tê-la” foi o único jeito, quase sincero, que encontrei de quase amá-la e quase não sofrer.

Thursday, March 20, 2008

Lágrimas de lâmina

Eu conto, de propósito, histórias com finais tristes para observar, sem propósito, o quanto você é capaz de descontar em mim com o começo do seu choro. Adoro ver o teu rosto se desfazer aos poucos, como poucos. Adoro ver você se entregar como louca aos loucos. Adoro quando o teu olhar começa a ficar pesado e quando a tua boca começa tremer de leve. Adoro quando as tuas sobrancelhas mudam de direção, quase se perdendo – quase não reconhecendo esse seu novo rosto. Adoro ver você chorar porque sei que o que sai desses olhos não são lágrimas – como qualquer mortal – mas lâminas.

Suas lágrimas são lâminas que nascem de um sentimento morto. Que cortam o seu rosto em linha reta. Linhas de sangue. Que abrem teu rosto e deixam expostos os teus sonhos, teus pesadelos e teus amores escondidos. Elas ainda deixam visível para qualquer um, qualquer imprecisão, qualquer indecisão, qualquer traição – seja você traída ou traidora. Também sei que essas lâminas nascem em algum lugar por dentro dos teus olhos tristes, em algum lugar imaginário – talvez nas pálpebras superiores. Perfuram sua pele com a delicadeza de uma história de amor e amam delicadamente cada rabisco que fazem quando são derrubadas indelicadamente pelo seu choro, às vezes efêmero, às vezes infinito. Agora eu entendo porque chorar dói. Quando você chora os teus olhos se entopem de sangue. Não conseguem enxergar um palmo à frente. Não conseguem enxergar um sentimento à dentro. Por isso seguem sem rumo e sem mim em direção ao chão. Atravessam as suas costas sem pedir licença, deixando para trás desenhos estranhos de figuras desconhecidas. Figuras que se entregaram e você ignorou. Figuras que te ignoraram e você se entregou. Figuras. Apenas figuras. Figuras desfiguradas. Desenhos desanimados. Todos eles expostos nas suas costas. De propósito – para que você não possa vê-los, apenas senti-los e saber que eles estão ali te incomodando ou não, te maltratando ou não, te seduzindo ou não, te desejando ou não, te humilhando ou não.

As lâminas acabaram de alcançar o chão. Elas pingam como gotas de mercúrio numa ferida que não tem cura nem cicatriza. E caminham como um rio solitário, sem margem, pela solidão do seu quarto. E tentam alcançar alguém. E alcançam alguém em vão. Elas não têm os braços longos. Elas não têm as mãos firmes. Não alcançam nada. Não seguram ninguém. Apenas passeiam como se não incomodassem os que passam pelo seu redor. As lâminas se espalham sem dó. Sem piedade. Como se fossem a extensão do seu corpo. Como se fossem veias descontroladas e perdidas. Veias que buscaram fora do seu corpo um corpo parecido com o seu. Um corpo que tenha a mesma estatura, o mesmo peso, as mesmas medidas, mas que tenha mais sangue, que tenha mais costume com a dor, que seja capaz de sofrer mais. Um corpo modelado para a dor. Uma dor que é muito maior que você. Uma dor que é muito maior que o seu chão.

Essas lâminas que se desmancham sem parar, manchando as roupas, os pés, o piso e o tapete, manchando os papéis, os retratos, os fatos e os sapatos, secam, de repente, sem avisar como se nunca tivessem nascido, como se nunca tivessem sido escorridas, como se nunca tivessem sido verdade, como se não quisessem observá-la jogada no chão, desnuda, com frio, com fome, rezando encontrar alguém que te cubra e não descubra que as suas lágrimas são como seus amores: elas cortam.

Sunday, March 16, 2008

Pálpebras

[...]
Ao abrir as suas pálpebras, talvez você não me veja mais da mesma maneira, nem da mesma forma. Não que eu esteja diferente. Não que eu tenha crescido. Não que eu tenha envelhecido. Não que eu tenha mudado. As coisas é que estão diferentes. As coisas é que estão crescendo. As coisas é que estão envelhecendo. As coisas é que estão mudando. E nessas mudanças, parece ter nascido um espaço entre nós. Um espaço invisível, sem borda, sem contorno, sem limites. Um espaço ainda vazio. Um espaço que, como todo espaço vazio, aguarda ser preenchido. Eu me sinto, às vezes, como esse espaço vazio. Será que você está pronta para me preencher? Por favor, não responda.
[...]

Friday, March 14, 2008

Vontade de não te ter inteira

[...]
- Direitos – eu sei que eu não tenho. Mas tenho vontades. E vontades ultrapassam qualquer barreira imposta pelos direitos. Vontades ignoram qualquer intenção de seguir regras impostas pelos que caminham nos caminhos certos. Vontades andam quase como se fossem as sombras dos erros. E é por isso que costumo seguir minhas vontades, mesmo que só de longe. Portanto, se não quiser fazer parte das minhas vontades: imponha mais barreiras e ignore minhas intenções. Talvez você se sinta mais inteira quando não estamos juntos.
[...]

Thursday, March 13, 2008

O lamento de um começo

[...]
Por fim, desejo não conhecer a sua dor. Sei que sou uma das causas. E também sei as conseqüências. Por isso prefiro te ver sofrer de longe, distante. Não tenho a mínima pretensão de alcançar sua dor, seu choro, seu soluço. Mas não é por maldade, entenda. Eu sempre achei que a proximidade estraga o que a distância preserva. Não quero ver teu pranto nem rir do seu escândalo. Não quero prometer que nunca mais vou voltar. Não quero mentir, só quero sonhar. E sonhar implica em tentar acordar o mais cedo possível para a realidade. E a realidade é que não te tenho por perto.
[...]

Monday, March 10, 2008

Tanto faz

[...]
Percebo que não avanço mais. Os meus movimentos não me levam para lugar algum. E as minhas pernas já não obedecem mais o comando inútil do meu inútil coração. Continuo preso no mesmo estágio. O estágio onde escrever sobre o não-sentido tem muito mais sentido. O estágio onde dizer que te amo tanto não tem mais tanta importância, não tem mais tanto sentido. O estágio onde dizer que não te amo mais não tem mais tanta graça. O estágio onde não há diferença entre aceitar as regras de conduta e conduzir as regras não-aceitas. O estágio onde ver através dos teus sentimentos não me faz mais ver os meus, onde ler os teus pensamentos me faz pensar em nunca mais ler os meus. O estágio onde as dores presentes, os poemas futuros e os amores passados parecem ser a mesma coisa: As dores agonizam dentro de um corpo que nunca mais será amado; Os poemas sufocam no fundo de uma gaveta que nunca mais será aberta; E os amores tentam nunca mais ferir nem inspirar os mais novos poetas.
[...]

Saturday, March 08, 2008

A ausência dos pássaros

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A ausência dos pássaros não me deixa mentir – a chuva vai cair. As nuvens cinzas já começam a descolorir o céu, antes azul. As nuvens cinzas trazem a inércia, trazem a angústia, trazem o remorso, trazem os poemas de amor, trazem os amantes dos poemas, trazem os poetas e os amores, trazem os amores dos poetas, trazem o frio, a solidão, o vazio...só não trazem você. Elas não trazem você.
E sem você não há mais céu, não há mais chão, apenas chuva. Tudo se torna chuva. Tudo se torna inexpressivo. Tudo se torna comum. Tudo se torna tanto faz. Tudo se torna triste em torno da nossa distância e a tristeza toda se entorna como a chuva: nasce sem cor na imensidão cinzenta do céu e se desfaz, elegante, feito uma serpente feliz pelo chão. Sinto que você tenta se mexer nos meus pensamentos, mas prefiro não pensar nem sentir - apenas adormeço sozinho numa pequena cadeira de balanço ameaçando sonhar com outras mulheres.
E para não dizer que não lhe deixei nada, deixo um velho livro aberto na página cem, a página onde um autor desconhecido descreve com detalhes mórbidos e esperançosos a saudade imensa que sente quando está com você e sem.
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Wednesday, March 05, 2008

Um tremor amado por um amor tremido

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Sem ter pensado em passar, passei por sua vida. Foi uma passagem meteórica, não deve ter passado de alguns dias e poucas noites. Foi uma passagem necessária: permitiu que, de certa, forma eu encontrasse em você um refúgio e você visse em mim um porto seguro para atracar seus tremores, sem temer. Foi uma passagem traumática: derrubou a minha paz, dilacerou o havíamos conquistado, comprometeu o nosso futuro e arruinou nossas provavéis boas lembranças.
Foi só uma passagem meu amor, seus tremores passaram.
Foi só uma passagem meu tremor, seus amores passaram.
E já que eu também já passei porque você cisma em se manter inerte diante da incansável e interminável passagem da vida?
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Saturday, March 01, 2008

Sete rosas e uma jura

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Como se fosse gentil, ele me ofereceu sete rosas e uma jura de amor eterno. Jurou de pé junto que nunca iria se afastar de mim. Eu, como se fosse ingênua, acreditei e depositei naquele gesto o meu sonho de sonhar acordada.
A jura foi esquecida.
O amor foi momentâneo.
E as rosas apodreceram.
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Thursday, February 28, 2008

Enlouquecer calmamente

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Na verdade, um amor não é só uma verdade. Ele também tem os seus dias de mentira. Ele também tem os seus dias de engano. E se não me engano, eu também já passei por esses dias. Mas esses dias também já passaram. Parece que hoje a calmaria-rara resolveu passar uns dias-calmos por aqui. A calma é sempre bem-vinda. Não que ela seja simpática ou desejada, mas é um estado necessário para não enlouquecer de vez. A loucura me afasta certamente da realidade e me aproxima demais das verdades duvidosas que são postas e impostas diariamente ao amor.
Um amor não é só uma verdade, muito menos uma verdade só.
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Tuesday, February 26, 2008

Minha tempestade

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Não choveu, mas a tempestadade chegou.
Chegou sem avisar - covarde!
Chegou que nem você. Primeiro berrava distante, anunciando uma mudança brusca de humor. Depois, pairava constante sobre mim, alternando afeto e raiva.
Pensar em você é uma tempestade, mas não pensar consegue quase ser pior.
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Monday, February 25, 2008

Campo de dores

Adormeci em pisos incomuns, desconhecidos .Não sei se eram pisos confiáveis, mas eram a base de sustentação do meu corpo dolorido. E o que é a dor além de um desejo morto ?

E quando não se deseja mais nada, o coração passa a ser um imenso campo de dores: colhendo amores que não alimentam, colorindo imagens que não representam, preenchendo espaços que não se completam. E o que é o desejo a não ser uma conquista descartável ?

Acordei com olhos vesgos, olhando em duas direções. Uma vendo meu corpo se desdobrar e a outra observando minhas extintas emoções.

Sunday, February 24, 2008

[...] a alma tem o privilégio de ser intocável [...]

Thursday, February 21, 2008

Mente

[...]Você é descaradamente a minha cara-metade. É completamente confusa e absurdamente simples ao mesmo tempo. Nasceu num corpo esteticamente aceito e é movida por uma alma inteiramente vazia. Sei que, por dentro, é carinhosamente insensível e, por fora, delicadamente indelicada. Vive liricamente pelas noites em busca de um grande amor, mas insiste em morrer, diariamente, por pequenas paixões.[...]

Sunday, February 17, 2008

Lembranças cinzas

[...]Trago suas lembranças e meus cigarros. Penso nas coisas simples e em nós. Descanso num canto calmo e espero. Espero um sinal, um gesto, um berro, um sussurro. Qualquer coisa perceptível que me aproxime de você. Qualquer coisa que torne sua ausência menos desgastante, menos dolorosa, menos sufocante, enfim, menos ausente. [...]

Monday, February 11, 2008

Placebo

Você é um falso remédio.
Perturba meu sono.
Invade meu sonho.
E parte.
Parte partindo tudo, sem levar nada.

Wednesday, February 06, 2008

Me distraio

[...]Para não pensar em você me distraio com a paisagem urbana. Carros, postes, vendedores ambulantes e cães - todos eles, sem exceção, me afastam de você. Não que eu precise de pessoas ou bichos ou objetos para me sentir distante de você, mas sei lá, às vezes é bom procurar uma desculpa, inventar um motivo ou, simplesmente, encontrar uma razão para minha incapacidade de mantê-la por perto.[...]

Friday, January 25, 2008

Não a via

Não havia nada por lá. Nem os deuses humanizados. Nem as cruzes. Nem as luzes. Nem os gestos simples. Nem os amores complicados. Nem os gatos apavorados. Nem os gastos apavorantes.

Não havia nada por lá. Nem os risos delicados das moças indelicadas. Nem os riscos constantes dos que não se arriscam. Nem o incômodo silêncio dos amantes recém-separados. Nem a sombra de um grande amor. Nem o corpo de uma pequena paixão.

Não havia nada por lá. Nem o riso das crianças abandonadas. Nem o choro dos velhos aposentados. Nem os gritos dos cães perdidos. Nem os berros dos donos que não se acham. Nem mesmo a morte tinha chegado.

Não havia nada por lá. E eu, daqui, não a via.

Sunday, January 13, 2008

Ao meu provável futuro amor

Ontem senti sua falta. Sinceramente, não sei quem é você, nem sei se você sabe quem sou eu. Isso, sinceramente, não interessa muito nesse meu estágio atual. Atualmente ando com as nuvens na cabeça. Penso à beça. Penso em como você poderia ser. Brinco em cima da probabilidade de coisas improváveis. É divertido imaginar um ser inimaginável e ao mesmo tempo saber que esse ser é real. Ele é real dentro da minha imaginação. Ele existe sim; mesmo que seja uma existência devido a sua inexistência.É bom saber que existe alguém que, provavelmente, nunca existirá de fato, mas sim em sonhos. O barato da vida está toda na imaginação. Imagino você sorrir, e você sorri!Imagino você fazendo o que eu quiser que você faça, e você faz – e o melhor de tudo : sem reclamar ! É uma delícia te imaginar. Desenho teu rosto com os traços que me agradam, coloco o nariz que eu prefiro, a boca que eu preciso, as roupas que te combinam, os gestos são exatamente como programei e a voz tem tantos tons quanto sentimentos. Acho que encontrei a melhor forma de te preservar: te construir. Sempre tomamos mais cuidado com aquilo que fazemos. Por isso, e por preguiça de procurar (confesso!), resolvi te construir. Confesso também que não foi uma tarefa tão simples assim. Pensar ou imaginar requer um certo preparo. Não posso te projetar de qualquer jeito. Não posso te formar de qualquer forma. Mas posso te informar com a mais absoluta certeza que ontem senti sua falta, mas até hoje não consegui perceber se era falta de você ou se era falta de sentir falta. Era uma falta boa de sentir. A falta de algo que ainda está por vir. A falta de algo que pode se tornar importante. Com certeza, não era falta de imaginação. Imaginação talvez seja a única coisa que eu ainda tenha de sobra. Por falar em sobra, dedico o tempo que me sobra ao meu provável futuro amor; mesmo tendo a plena consciência que a probabilidade de ver você um dia é a mesma de me tornar cego esta noite.

Parei de te imaginar.

Percebi que é inútil imaginar um provável futuro amor. Imaginar é fugir da realidade. Fugir da realidade é fugir da vida. Fugir da vida é se aproximar da morte. E se eu morrer agora, nunca vou te conhecer.

Saturday, January 12, 2008

Pertence mil e um [trecho 2]

[...]Eu me enganei. Pela milésima primeira vez, eu me enganei. E não é a primeira milésima vez que eu me engano. Todo mundo se engana no mínimo mil e uma vezes antes de achar que não está mais enganado. Talvez esse seja o maior de todos os enganos: achar que não se está mais enganado. Sempre estamos enganados. Somos enganos que andam que pensam que trepam que amam que brigam. Somos enganos que olham, que ouvem, que cospem, que sonham. Somos enganos que pensam que andam, que amam quando brigam, que olham quando trepam e que cospem nos sonhos. Eu não sou diferente de todo mundo quando o assunto é se enganar. Quando me engano me sinto mais real. Sinto que estou mais distante do meu mundo utópico onde existe uma paz que não existe, onde existe um todo que não se divide, onde possuo uma mulher que nunca tive, onde falo coisas que não ouso, onde escrevo poemas que não terminam, onde não escondo dores que se manifestam[...]

Wednesday, January 09, 2008

Cartas à Bárbara [trecho 2]

[...]A minha dose necessária de realidade já se tornou desnecessária faz tempo. Não preciso mais dar nomes ao que todo mundo quer, não preciso mais sentir o que todo mundo sente, não preciso mais dizer o que todo mundo quer ouvir, não preciso mais sonhar o que todo mundo deseja, não preciso trazer de volta o que todo mundo leva pra longe. Preciso me aproximar de mim. E não existe nada de mais distante de mim do que eu. Apesar da minha proximidade comigo, (ainda) sei que me vejo distante. Eu, aqui. Meu corpo, distante – passeando livre pelos intermináveis campos verdes – que até tentam nos enganar, nos dando a falsa ilusão de liberdade. Sempre achei que a liberdade sempre, sempre, sempre, sempre nos deixará presos ao sentimento de sermos livres. Hoje, me sinto livre pra falar que não existe liberdade. Sintam-se livres para me criticar.[...]

Tuesday, January 08, 2008

Passos passados

[...]Posso não ter sumido por muito tempo, mas foi tempo suficiente para não conseguir reaparecer da forma como gostaria que você me visse. Os teus olhos não se curaram com o tempo. Os teus olhos não se curaram como o Tempo. É incrível. O tempo passa. Os amores passam. Eu passo. Mas você permanece igual. Igual ao tempo que ficou pra trás.

Parece que fomos feitos de areia. O vento, quando sopra, brinca de nos afastar. O vento é teimoso e persistente. Sempre consegue o que ele quer. O vento, quando sopra, consegue nos afastar. O vento, quando sopra, consegue te levar. E nesse vai-e-vai desumano - desumano por ver quem eu amo dobrar o horizonte inalcançável - consigo me manter inerte e esperançoso. Eu sei que um dia nós seremos levados pelo mesmo vento e ao mesmo tempo para o mesmo esconderijo distante.

Enquanto isso me mande notícias.[...]