Sunday, March 30, 2008

Dois elementos

Flores. Vinho. Velas. Jantar. Caixa de bombons em formato de coração. Música. Cheiros de essências. Carinhos . “Eu te amo” escrito em batom no espelho. Um vestido novo à sua espera na cama e um bilhete dizendo que eu já vou chegar.
Enquanto isso : Do outro lado do mundo, um casal mais ou menos parecido com o nosso deve estar planejando planos parecidos com os nossos e quer ter filhos como nós e quer construir uma casa como a nossa e quer discutir a relação como nós.
E eu me pergunto : Se existem tantas formas de amar porque a maioria insiste em demonstrar da mesma maneira o amor que elas sentem ? Se existe uma gama infinita de possibilidades para agradar quem amamos porque insistimos sempre em escolher a obviedade ?
E eu me respondo : Talvez seja pelo fato que todos nós temos dentro de nós um medo imenso e bobo : se machucar. Talvez seja porque amar de forma óbvia é uma forma de amor mais segura. Enfim, é complicado arriscar. Colocar a dor de uma amor-perdido e a satisfação de um amor-ganho numa mesma balança pode acabar dando múltiplos resultados. O amor , nesse caso, é isso : dois elementos diferentes que sentem sentimentos óbvios que demonstram de forma óbvia o que eles sentem para não se machucarem.
Flores mortas. Vinho acabado. Velas apagadas. Jantar comido. Caixa de bombons sem bombons, mas o formato de coração continua. Sem música. Cheiro de gozo. “eu te amo” ilegível. Vestido amarrotado e um bilhete dizendo que eu já fui.

Friday, March 28, 2008

Em outras palavras

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Talvez eu nunca consiga te explicar claramente o que se passa na minha não-clara mente, portanto fique atenta ao que eu tento não te dizer porque é nessa falha de fala que falo calado tudo o que faltei em te dizer. Não sou um Santo – graças a Deus! Em outras palavras: sou um silêncio que tem muita coisa pra falar, mas que se cala por medo de falhar.
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Monday, March 24, 2008

Uma possível probabilidade de tê-la

Tê-la é quase impossível. Assim como é quase impossível não querer tê-la. Se a tivesse quase não saberia o que fazer. Não a tendo sei que posso quase refazê-la. É quase divertido tentar inventar um quase-começo para uma quase-história que tinha tudo para ser quase-bonita se não fosse sempre interrompida pelos invisíveis, inaudíveis e intermináveis gritos do Quase.

Tê-la é quase improvável. Assim como não tê-la é quase uma prova de paciência. É como se a vida que levo sem levá-la fosse parada. É como se a morte que me espera sem esperá-la fosse antecipada. É como se a dor que carrego sem carregá-la se acomodasse entre os espaços quase-apertados da minha memória, quase-entupida de você. É como se um quase-sonho fosse sonhado nesse exato quase-momento. É como se uma tela pintada por um pintor quase famoso trouxesse a sensação exata e colorida de como é tê-la, sem tê-la. É como se eu quase acordasse desse mesmo quase-sonho e quase visse nesse meu espelho imagens retorcidas, quase incompreensíveis, do quase vazio do artista que é ficar sem tê-la, nem tela. É como se eu acordasse com aquela quase-certeza de que aquilo que ficou incompleto acabou complementando o meu desejo quase-inútil de permanecer dormindo.

Compramos uma quase grande casa com um jardim quase sem fim. Acreditávamos em um quase-Deus. Éramos quase-felizes (com essa nossa quase-vida). Tínhamos três quase-filhos lindos e um quase-cão adestrado que quase fugiu quando soube que aquilo tudo não passava de uma quase verdade.

“Tê-la quase” ou “Quase tê-la” foi o único jeito, quase sincero, que encontrei de quase amá-la e quase não sofrer.

Thursday, March 20, 2008

Lágrimas de lâmina

Eu conto, de propósito, histórias com finais tristes para observar, sem propósito, o quanto você é capaz de descontar em mim com o começo do seu choro. Adoro ver o teu rosto se desfazer aos poucos, como poucos. Adoro ver você se entregar como louca aos loucos. Adoro quando o teu olhar começa a ficar pesado e quando a tua boca começa tremer de leve. Adoro quando as tuas sobrancelhas mudam de direção, quase se perdendo – quase não reconhecendo esse seu novo rosto. Adoro ver você chorar porque sei que o que sai desses olhos não são lágrimas – como qualquer mortal – mas lâminas.

Suas lágrimas são lâminas que nascem de um sentimento morto. Que cortam o seu rosto em linha reta. Linhas de sangue. Que abrem teu rosto e deixam expostos os teus sonhos, teus pesadelos e teus amores escondidos. Elas ainda deixam visível para qualquer um, qualquer imprecisão, qualquer indecisão, qualquer traição – seja você traída ou traidora. Também sei que essas lâminas nascem em algum lugar por dentro dos teus olhos tristes, em algum lugar imaginário – talvez nas pálpebras superiores. Perfuram sua pele com a delicadeza de uma história de amor e amam delicadamente cada rabisco que fazem quando são derrubadas indelicadamente pelo seu choro, às vezes efêmero, às vezes infinito. Agora eu entendo porque chorar dói. Quando você chora os teus olhos se entopem de sangue. Não conseguem enxergar um palmo à frente. Não conseguem enxergar um sentimento à dentro. Por isso seguem sem rumo e sem mim em direção ao chão. Atravessam as suas costas sem pedir licença, deixando para trás desenhos estranhos de figuras desconhecidas. Figuras que se entregaram e você ignorou. Figuras que te ignoraram e você se entregou. Figuras. Apenas figuras. Figuras desfiguradas. Desenhos desanimados. Todos eles expostos nas suas costas. De propósito – para que você não possa vê-los, apenas senti-los e saber que eles estão ali te incomodando ou não, te maltratando ou não, te seduzindo ou não, te desejando ou não, te humilhando ou não.

As lâminas acabaram de alcançar o chão. Elas pingam como gotas de mercúrio numa ferida que não tem cura nem cicatriza. E caminham como um rio solitário, sem margem, pela solidão do seu quarto. E tentam alcançar alguém. E alcançam alguém em vão. Elas não têm os braços longos. Elas não têm as mãos firmes. Não alcançam nada. Não seguram ninguém. Apenas passeiam como se não incomodassem os que passam pelo seu redor. As lâminas se espalham sem dó. Sem piedade. Como se fossem a extensão do seu corpo. Como se fossem veias descontroladas e perdidas. Veias que buscaram fora do seu corpo um corpo parecido com o seu. Um corpo que tenha a mesma estatura, o mesmo peso, as mesmas medidas, mas que tenha mais sangue, que tenha mais costume com a dor, que seja capaz de sofrer mais. Um corpo modelado para a dor. Uma dor que é muito maior que você. Uma dor que é muito maior que o seu chão.

Essas lâminas que se desmancham sem parar, manchando as roupas, os pés, o piso e o tapete, manchando os papéis, os retratos, os fatos e os sapatos, secam, de repente, sem avisar como se nunca tivessem nascido, como se nunca tivessem sido escorridas, como se nunca tivessem sido verdade, como se não quisessem observá-la jogada no chão, desnuda, com frio, com fome, rezando encontrar alguém que te cubra e não descubra que as suas lágrimas são como seus amores: elas cortam.

Sunday, March 16, 2008

Pálpebras

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Ao abrir as suas pálpebras, talvez você não me veja mais da mesma maneira, nem da mesma forma. Não que eu esteja diferente. Não que eu tenha crescido. Não que eu tenha envelhecido. Não que eu tenha mudado. As coisas é que estão diferentes. As coisas é que estão crescendo. As coisas é que estão envelhecendo. As coisas é que estão mudando. E nessas mudanças, parece ter nascido um espaço entre nós. Um espaço invisível, sem borda, sem contorno, sem limites. Um espaço ainda vazio. Um espaço que, como todo espaço vazio, aguarda ser preenchido. Eu me sinto, às vezes, como esse espaço vazio. Será que você está pronta para me preencher? Por favor, não responda.
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Friday, March 14, 2008

Vontade de não te ter inteira

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- Direitos – eu sei que eu não tenho. Mas tenho vontades. E vontades ultrapassam qualquer barreira imposta pelos direitos. Vontades ignoram qualquer intenção de seguir regras impostas pelos que caminham nos caminhos certos. Vontades andam quase como se fossem as sombras dos erros. E é por isso que costumo seguir minhas vontades, mesmo que só de longe. Portanto, se não quiser fazer parte das minhas vontades: imponha mais barreiras e ignore minhas intenções. Talvez você se sinta mais inteira quando não estamos juntos.
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Thursday, March 13, 2008

O lamento de um começo

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Por fim, desejo não conhecer a sua dor. Sei que sou uma das causas. E também sei as conseqüências. Por isso prefiro te ver sofrer de longe, distante. Não tenho a mínima pretensão de alcançar sua dor, seu choro, seu soluço. Mas não é por maldade, entenda. Eu sempre achei que a proximidade estraga o que a distância preserva. Não quero ver teu pranto nem rir do seu escândalo. Não quero prometer que nunca mais vou voltar. Não quero mentir, só quero sonhar. E sonhar implica em tentar acordar o mais cedo possível para a realidade. E a realidade é que não te tenho por perto.
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Monday, March 10, 2008

Tanto faz

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Percebo que não avanço mais. Os meus movimentos não me levam para lugar algum. E as minhas pernas já não obedecem mais o comando inútil do meu inútil coração. Continuo preso no mesmo estágio. O estágio onde escrever sobre o não-sentido tem muito mais sentido. O estágio onde dizer que te amo tanto não tem mais tanta importância, não tem mais tanto sentido. O estágio onde dizer que não te amo mais não tem mais tanta graça. O estágio onde não há diferença entre aceitar as regras de conduta e conduzir as regras não-aceitas. O estágio onde ver através dos teus sentimentos não me faz mais ver os meus, onde ler os teus pensamentos me faz pensar em nunca mais ler os meus. O estágio onde as dores presentes, os poemas futuros e os amores passados parecem ser a mesma coisa: As dores agonizam dentro de um corpo que nunca mais será amado; Os poemas sufocam no fundo de uma gaveta que nunca mais será aberta; E os amores tentam nunca mais ferir nem inspirar os mais novos poetas.
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Saturday, March 08, 2008

A ausência dos pássaros

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A ausência dos pássaros não me deixa mentir – a chuva vai cair. As nuvens cinzas já começam a descolorir o céu, antes azul. As nuvens cinzas trazem a inércia, trazem a angústia, trazem o remorso, trazem os poemas de amor, trazem os amantes dos poemas, trazem os poetas e os amores, trazem os amores dos poetas, trazem o frio, a solidão, o vazio...só não trazem você. Elas não trazem você.
E sem você não há mais céu, não há mais chão, apenas chuva. Tudo se torna chuva. Tudo se torna inexpressivo. Tudo se torna comum. Tudo se torna tanto faz. Tudo se torna triste em torno da nossa distância e a tristeza toda se entorna como a chuva: nasce sem cor na imensidão cinzenta do céu e se desfaz, elegante, feito uma serpente feliz pelo chão. Sinto que você tenta se mexer nos meus pensamentos, mas prefiro não pensar nem sentir - apenas adormeço sozinho numa pequena cadeira de balanço ameaçando sonhar com outras mulheres.
E para não dizer que não lhe deixei nada, deixo um velho livro aberto na página cem, a página onde um autor desconhecido descreve com detalhes mórbidos e esperançosos a saudade imensa que sente quando está com você e sem.
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Wednesday, March 05, 2008

Um tremor amado por um amor tremido

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Sem ter pensado em passar, passei por sua vida. Foi uma passagem meteórica, não deve ter passado de alguns dias e poucas noites. Foi uma passagem necessária: permitiu que, de certa, forma eu encontrasse em você um refúgio e você visse em mim um porto seguro para atracar seus tremores, sem temer. Foi uma passagem traumática: derrubou a minha paz, dilacerou o havíamos conquistado, comprometeu o nosso futuro e arruinou nossas provavéis boas lembranças.
Foi só uma passagem meu amor, seus tremores passaram.
Foi só uma passagem meu tremor, seus amores passaram.
E já que eu também já passei porque você cisma em se manter inerte diante da incansável e interminável passagem da vida?
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Saturday, March 01, 2008

Sete rosas e uma jura

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Como se fosse gentil, ele me ofereceu sete rosas e uma jura de amor eterno. Jurou de pé junto que nunca iria se afastar de mim. Eu, como se fosse ingênua, acreditei e depositei naquele gesto o meu sonho de sonhar acordada.
A jura foi esquecida.
O amor foi momentâneo.
E as rosas apodreceram.
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