Tuesday, August 28, 2007

A mágoa e o magoado

O magoado – Sabe, eu nunca quis me colocar no seu lugar e sentir a sua dor.Admito, porém, ter tentado conversar diversas vezes para que você não absorvesse sozinha essa dor como se fosse uma dor só sua; e assim, mais tarde, num dia de raiva, você esquecer dos outros e penetrá-los como se eles fossem você – mas não são ! Eles são Homens, assim como eu, e justamente por essa fatalidade, eles não agüentam tamanha proporção de dor, como você – querida mágoa.Pense.Aliás sempre achei uma atitude meio egoísta sentir a dor sozinho.Se o amor é compartilhado com tantos, a dor não pode ser compartilhada apenas consigo mesmo. Você não acha?Não estou lhe pedindo para dividir a SUA dor comigo. Estou só querendo escutá-la por vontade própria, posso? É bom, eu juro, você vai ver – nem machuca! E faz um bem enorme...
A mágoa – Entendo a sua preocupação, querido. Mas já me acostumei a me sentir sozinha.Estou até começando a gostar dessa solidão pré-destinada. Se eu me recolho no meu canto todos os dias não é de forma alguma por egoísmo, é apenas a forma mais justa que encontrei para descarregar a minha dor afim de evitar que ela atinja mais pessoas ao meu redor.Sabe, meio que me apaixonei por tudo o que não me traz alegria.É triste, eu sei. Pode incomodar você, mas eu amo a tristeza e tudo o que me aproxima dela.Acho que todos deveriam deixar a dor doer um pouco.
O magoado – Concordo com você “Todos deveriam deixar a dor doer um pouco”. Um pouco! Você disse bem, não podemos nos acostumar com o sofrer porque senão passamos a sentir prazer nisso. O Homem se apaixona por tudo o que ele se acostuma.O ser-humano é assim, ser humano é ser assim querida. Quando ele ama, ele reclama. Quando sente dor, ele diz que é por culpa do amor. E quando não sente nada, acha que está morto, e quando está morto, diz que sente saudade da vida e do tempo em que a dor doía. Querida mágoa, eu sei que vai doer, mas ninguém merece você. Ninguém merece você.
A mágoa – Olha, eu já fiz muita gente chorar, já deixei muitos casais distantes e já pus um fim em inúmeras relações. Mas nenhum desses fatos foram feitos por mal. É apenas a minha única maneira de me manter viva. Eu vivo para causar lágrimas. Sou um sentimento criado: meu pai é o sofrer, minha mãe é a dor, minha irmãs são as lástimas. Sou um pouco de tudo isso e ao mesmo tempo posso ser muito mais.Nunca duvide das minhas capacidades, menino magoado, nunca. Quando tudo parece se consolar, se encaminhar de novo para um mar calmo e sereno e tranqüilo; eu volto a agir – volto a dizer que não é por mal – é minha condição, eu machuco por sobrevivência, não consigo ver ninguém feliz.
O magoado – Se você não consegue ver ninguém feliz é porque você nunca quis ser feliz ou ,no mínimo, nunca sentiu tal sensação. Você sempre se aproveitou dos sentimentos alheios para procriar. Eu sei que você não faz nada disso por mal, até porque você é feita de mal, você faz isso por você.Volto a dizer: EGOISTA! Eu sempre te avisei que seria melhor dividir a sua dor comigo e não espalhá-la pelos corpos dos Homens que ainda sentem algo – coisa rara! O ser-humano apossado de coração é uma espécie em extinção.
A mágoa – E eu sou um sentimento em evolução.
O magoado – Tire essa mágoa de dentro de você !
A mágoa – Porque ? não posso ! É como se você me pedisse para tirar minha vida de mim. Se eu pedisse a sua vida em troca de um sentimento, você a daria ?
O magoado – ...

Saturday, August 25, 2007

Amar é achar

Não me faça gostar de tudo o que eu desgosto em você, isso só vai me fazer deixar de gostá-la como acho que sempre gostei e que , sinceramente, acho que pretendo continuar gostando o tempo que eu achar necessário. Digo “acho que sempre gostei” porque no amor a gente sempre acha. Sempre achei que o verbo “amar” tivesse o mesmo significado que “achar”. Sempre achei mais sincero dizer “eu te acho” ao invés de “eu te amo”. E , no fundo, no fundo, a gente não ama a pessoa amada, a gente ama o fato de ter achado essa pessoa ou o fato de achar que está amando.
Numa relação, por exemplo, a gente sempre acha que o outro gosta de tomar café com leite no café da manhã, depois descobre que ele só bebe café com leite no café da manhã por agrado. E que na verdade, ele não gosta de café, muito menos de leite e pior: odeia acordar cedo para tomar café da manhã. A gente sempre acha que o outro adora aquele filme francês em preto e branco e dublado, e depois a gente percebe que o filme da vida do outro é cheio de efeitos especiais ultramodernos e pior : legendado. E tem mais : a gente acaba descobrindo que o outro também não gosta muito de filme francês.Eu acho que nenhum lúcido em sã consciência continuaria junto se não fosse pela sensação de um achar que é amado pelo outro e o outro achar que é amado pelo um. A gente sempre acha que o outro gosta de tudo o que a gente gosta, sem saber que , no fundo , para o outro, a gente é o outro. Ou seja, “a gente” e “ o outro”, na verdade, são duas pessoas que acham que a relação vai bem por um achar que o outro acha que o outro está bem por achar que o outro está bem.
Estou meio perdido. Mas acho que estou no caminho certo, enfim, eu acho.
Por falar em “achar”, acho que eu me atrasei um pouco no nosso primeiro encontro; mas eu tenho os meus motivos. É que eu não quero te acostumar com os meus bons modos,por isso achei melhor me atrasar, para você não se acostumar a ser sempre encontrada na hora certa, no lugar marcado.Eu amo o inesperado. Acho que ainda não estou pronto para te encarar todos os dias, nem com hora marcada.Mas voltando ao nosso primeiro encontro: É tão engraçado, uma pessoa achar que se atrasou num encontro, você não acha ? Afinal um encontro é para gente se achar e não achar que a gente se encontrou ou achar que se atrasou. Reparem na força do verbo “achar”. Ele pode ser tanto uma certeza ( eu te achei ), quanto uma dúvida (eu acho que eu me atrasei). Acho que o amor segue a mesma lógica ( se é que se pode dizer que o amor segue algumalógica !), é um sentimento que altera certezas e dúvidas. Por isso sempre achei mais sincero usar o verbo “achar” no lugar de “amar”.Por isso também, meu amor, por mais que você não se encontre, eu te acho.

Wednesday, August 22, 2007

O amor é o clichê do óbvio

Perguntaram sobre nós. Eram quase uma e meia da manhã. Obviamente, não optiveram resposta. Não sou de falar sobre o óbvio. Nós somos óbvios. Te conheci de uma maneira óbvia, nos abraçamos de uma forma óbvia, nosso primeiro beijo foi o mais óbvio de todos e todas aquelas parafernalhas de uma relação óbvia - flores vermelhas (obviamente de plástico) , cartões com mensagens óbvias no estilo "você é tudo para mim" ou ainda "não sei viver sem ter você", telefonemas nas horas mais óbvias possíveis ( entre 22h e 3 da manhã) e aquelas incontáveis ameaças de suicídio de um abandonar o outro - só contribuiram para nos tornar cada vez mais óbvios.
Ontem, sonhei com você - é óbvio ! - um sonho onde nós dois aparecíamos trajados com roupas óbvias, discursávamos sobre temas óbvios do cotidiano, ríamos como dois óbvios felizes, achávamos que seríamos eternamente apaixonados e viveríamos felizes para sempre. Nunca ri tanto de tanta coisa óbvia junta. É óbvio que você me acompanhou nessa risada e fomos para cama.Lá pelas tantas, não sendo nem um pouco óbvia, você me pediu para descrever o que eu sentia por você. É óbvio que era amor, mas, obviamente, não tive coragem de falar. Inventei meia dúzia de blablablas e alguns "porquê´s" e "sei lá´s" e acordei, chorando.
Questionaram a durabilidade do nosso caso. Por acaso, eu também me questionei um bom tempo sobre isso e não me respondi. Não achei uma resposta que me satisfizesse. Disseram, ainda, que o amor é o clichê do óbvio.Obviamente, concordei sem concordar. Abaixei a cabeça como quem ainda tem coragem de amar sem ser óbvio e encontrei no meu mais íntimo silêncio uma forma indolor de gritar que ainda dói.
Não gosto de falar sobre o óbvio. Nós somos óbvios.

Saturday, August 11, 2007

Sem título

Existem duas coisas em você que me fascinam: a distância e o que você não diz.

Monday, August 06, 2007

Os marinheiros mudos

Falaram dos homens que buscam nas dunas mulheres de areia, mulheres sereias, mulheres melhores do que aquelas só feitas de pó. Trouxeram a Verdade em caixas fechadas, encheram as bocas de fumo e mentiras e soltaram a voz, insultaram o nosso amor.Falaram dos fatos, dos atos, dos ratos, dos altos e baixos por baixo dos danos e os panos ficaram molhados de sangue e suor. As brigas, as broncas, batidas e drogas ingeridas nas muitas bebidas obrigam as brancas a abrigarem os outros.Falaram dos porcos espertos dos portos que importam e exportam doenças saudáveis na carne, nos ossos e nos nossos enormes tonéis.
E os nossos caminhos foram afogados.
E o nosso domínio já foi dominado.
E a nossa vantagem não é mais vantagem: estamos no meio de um mar sem fim.

Sunday, August 05, 2007

Ele e ele

- Um momento e dois cafés, por favor.
Ele começa a conversa anunciando um fim:
- Amanhã a gente termina.
- Termina ?
- É. Termina o caso, termina o sexo, termina o amor, termina a pintura da parede da sala , termina de ler o jornal, termina de escovar os dentes, termina de pendurar as toalhas molhadas, termina de tomar o café da manhã, termina o almoço, termina o jantar, termina de lavar a louça, termina de secar os pratos, os garfos, as facas, termina o poema...termina...termina.
- Tá, então tá, né ?!
- É, pois é...
- É..
E um rapaz gentil e prestativo - sem dúvida um dos garçons desse boteco escondido - interrompe a profunda conversa que ele havia começado e estabelecido com ele mesmo:
- Senhor, deseja mais alguma coisa ?
- não. E o Senhor?
- não, também não.
- Então tá né.
- Pois é...
- A conta e o cinzeiro, por favor.
Uma palavra vale mais do que mil imagens.

Friday, August 03, 2007

Hoje Bárbara

Hoje Bárbara foi dormir mais cedo, buscou na noite os velhos sonhos e um novo enredo. Sorriu para o nada, mas de nada serviu - hoje ela serve àqueles que sempre cuspiu. Deitou na cama como se ainda fosse uma pequena criança, cobriu seu corpo dos pés até onde alcança e se escondeu por debaixo dos sonhos como se o medo não soubesse alcançá-los.
Bárbara é um objeto de desejo.
Bárbara é um dejeto de saudade.
Bárbara é um deserto que não vejo.
Bárbara é um pouco estranha e muito bonita - não sabe se bebe, não sabe se dança, fuma bastante com bastante cautela e traz para perto tudo o que não é ela. Hoje Bárbara não quis falar com Deus. Hoje Bárbara não quis que Deus falasse com ela. Hoje Bárbara apenas quis se querer como há muito não podia poder.
Bárbara é um dejeto de desejo.
Bárbara é um objeto de saudade.
Bárbara é um caminho que não vejo por onde passam amores, bichos e máquinas; por onde passam odores, bichas e sábados que não param, que não param, que não param...
Bárbara concluiu que no fim é melhor estar só do que só estar fingindo e inventando formas de estar ao lado de amores que, no fim, também ficarão sós.