Sunday, April 27, 2008

Ausente-se

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Por um instante acreditei tê-la em minhas mãos. Um curto instante, na verdade. Já que com você os instantes não passavam de alguns olhares tímidos, de algumas palavras silenciosas, de algumas pausas desconcertantes e de alguns minutos intermináveis que sempre acabavam antes da hora.
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Friday, April 18, 2008

Aqui por dentro

Instalado num lugar imperceptível dos seus olhos posso apreciar com mais nitidez o que você nunca ousou me contar. Eu sempre acreditei que no esconderijo da sua memória havia bem mais histórias interessantes do que nos contos infantis – que sempre me desinteressaram, por sinal. Eu sempre soube, mas nunca quis aceitar, que por dentro dessa sua pele, ainda desprotegida, existia um mundo que, de certa forma, te protegia. Um mundo repleto de amores cobertos de razões, um mundo entupido de dores inventadas por amores cobertos de razões, um mundo cheio de multidões desorientadas por amores cobertos de razões, um mundo transbordado por religiões desacreditadas por amores cobertos de razões, um mundo cheio dos deuses comuns cobertos de razões, um mundo transtornado de homens incomuns cobertos de razões, um mundo cansado de sonhos cobertos de razões. Um mundo que, de certa forma, me confortava. Era tão bom saber que dentro daquelas formas quase imperfeitas ainda reinava um sentimento imaturo e puro tentando se aperfeiçoar.
Através dos seus olhos:

Vi claramente os homens que te usaram – aqueles que te deram rosas e te disseram inúmeras vezes inúmeros “eu te amo´s”. Aqueles que não ligam mais se o seu cabelo cresceu dois centímetros ou perdeu um palmo. Aqueles que já souberam seu nome, seu endereço e já tiveram uma foto sua e que agora têm filhos com outras mulheres com outros nomes, moram em outras casas, aparecem em outras fotos, bebem em outros bares e se perdem por outros mares. Mares, esses, que você não poderá mais navegar.

Vi nitidamente as drogas que abusaram da tua insegurança - aquelas que te fizeram esquecer por algumas horas a realidade confusa que nos rodeia. Aquelas que te acolheram com a promessa de te levar para os lugares mais seguros e mais serenos que você podia imaginar. Mas quando acordou percebeu que não havia nem segurança, nem serenidade e muito menos lugares. Lugares, esses, que você não poderá mais encontrar.

Vi as suas crenças que caíram em desuso. Antes, você rezava por verdade. Hoje você reza por costume. Enquanto eu, acredite se quiser, ainda rezo por você. Rezo por você não por bondade-cristã, mas por ter sido incapaz de me acostumar com a falta que você me faz, principalmente, no momento que antecede a vontade de dormir. (Nessas horas eu sempre pensava em você). Eu só rezo por coisas que desconheço: você, deus, eu... Eu só prezo por coisas que desconheço: eu, deus, você... Eu só desprezo coisas que eu desconheço: deus, você, eu... Coisas, essas, que você não poderá mais enganar.

Por dentro, seu corpo sempre me pareceu uma fortaleza, apesar de testemunhar contínuas vezes os seus cílios oscilarem entre o destempero de viver uma paixão efêmera duradoura e o tenro prazer de se ter um amor eterno por um minuto.
Por fora, seu corpo sempre me pareceu uma fraqueza, apesar de continuar testemunhando constantemente pequenos sinais de melhoras e sentir, delicadamente, o esforço das suas pálpebras que se fecham. Prenda-me. Não me deixa sair aqui de dentro. Deixa-me morrer aqui. Deixa-me viver aqui?

Sunday, April 13, 2008

Pedaços de uma carta despedaçada

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Desejo conhecer a sua voz – será que ela tem o mesmo timbre quando acorda? Quando deita? Quando diz: “eu te amo” depois de fumar? Quando pede silêncio? Desejo conhecer o seu passado – Será que ele tem as mesmas aflições, as mesmas indagações e as mesmas inquietações que você tem hoje? Será que ele guarda segredos, imagens, atos, gestos, ofensas, amores que você tem medo de reencontrar ou reviver? Será que ele esconde palavras, declarações, vontades, desejos e direitos que nunca serão revelados? Desejo ler as suas mãos. Saber se o futuro nos reserva alguma coisa. Saber se as cartomantes estavam certas. Esquece. As cartomantes mentem. Talvez seja por isso que confio tanto nelas. Eu gosto de me iludir. E tem mais: saber que só as previsões mentirosas nos farão viver junto, de certa forma, me reconforta. Desejo conhecer seu rosto. Cansei de traçar milhões de possibilidades imaginárias na minha mente. Não quero me basear em probabilidades para definir uma certeza. E a certeza é que eu me perco nas minhas ilusões. Você é uma delas.
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Saturday, April 12, 2008

Basta você me bastar

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Basta você esboçar um sorriso qualquer – mesmo irônico, pouco importa - para me deixar um pouco menos triste. Fique feliz por isso. Basta você olhar pela janela e me avisar que está chovendo – eu acredito. Nem me preocupo em abrir a minha para confirmar. Acredito em você. Basta você levantar de madrugada, sem saber onde olhar, sem saber me procurar, sem saber onde me achar, que eu já fico bem só de imaginar você perdida tentando me encontrar. Basta você começar a fumar, mesmo sabendo que o cigarro não te faz bem, que eu fico com ciúmes – ciúmes do seu cigarro. Eu sei que é quase ridículo sentir ciúmes de algo que não te faz bem – mas eu sinto. Quero ser esse cigarro. Esse cigarro que você fuma pela manhã e deixa pela metade durante o dia para terminá-lo delicadamente à noite, entre seus lábios. Quero ser esse cigarro grudado nos teus dedos, firme, com a certeza que você não vai me largar tão cedo e que mais tarde vou terminar morrendo inteiro na sua boca. Mesmo que você me apague depois, com a maior calma do mundo, como se não tivesse lhe proporcionado nada. Você me mata. E isso me basta. Quero ser esse cigarro que aparece nas tuas fotografias em preto e branco. Esse cigarro que libera a fumaça. A fumaça por trás da qual você se esconde. A fumaça por trás da qual você esconde sorrisos, bondade. A fumaça por trás da qual você esconde uma menina, uma menina que sonha, uma menina que dança, uma menina que some. Pensar em você me basta. Pensar em você me mata. Você me mata. E quando eu morro, eu caio no meu chão. Um chão onde existem apenas migalhas de pães mal-comidos, sobras de mulheres mal-comidas, restos de amores polêmico e um tapete colorido. Um chão onde existem poemas inacabados que nunca serão acabados, retratos envelhecidos que nunca serão renovados, sonhos esquecidos que nunca serão recordados, pedaços de noites desperdiçadas que nunca serão religados, alguns amores platônicos e você descolorida. Até descolorida você me basta. E isso me mata.
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Tuesday, April 08, 2008

O criador

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Eu criei o espelho para que cada traço seu tivesse um destino. Evitei a borracha para que cada curva sua fosse imperfeita e se aproximasse ao máximo de um ser normal. Projetei a luz para facilitar o teu caminho e fiz do seu ponto de vista o meu ponto de partida. Tentei achar o ângulo perfeito para que seu olhar não fosse fixo, e sim uma pérola apreciada pelos seus inúmeros encantos. Escrevi uma presse em latim para que você durmisse sem pressa (e sem entender) com o tom ainda rouco da minha voz de sonâmbulo. Por fim, inventei a dor para não sentí-la no dia em que tua ida falará mais alto do que o nosso amor.
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Saturday, April 05, 2008

Cômico e dramático

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Fui te ver, saí mais cedo. Desviei dos olhares invejosos daqueles que crêem que viver a vida é viver a vida do outro. Desviei dos becos, dos botecos e dos ecos e de todos os sons e de todos os vícios que me mantinham distante de você fisicamente. Digo fisicamente, porque a única coisa que a separação realmente separa é o físico.
Fui te ver, deixei tudo para mais tarde. Achei que mais tarde seria um bom momento para me dedicar a tudo o que não é você. Mas percebo que mais tarde ou agora é quase igual quando se tem alguém – ou quando se acha que se tem alguém.
Fui te ver e acabei me vendo. É cômico e dramático, mas nós somos o outro. Espelhos de algo que não reflete exatamente o que queremos, espelhos de algo que não nos encara como deveríamos.
Fui te ver, acabei me afastando de mim. É cômico e dramático, mas quando estamos com alguém vivemos uma fuga. Um mergulho inseguro em direção do não se sabe o quê. Um mergulho que pode dar certo, é claro. Mas como tudo o que pode dar certo, pode dar errado também. Cuidado para não se afogar, um mergulho irracional costuma ser sem volta. Alguém sem volta é alguém que nunca foi. Alguém que nunca foi é alguém sem ação. Alguém sem ação não é nada.
É dramático quando você ri de mim.
É cômico quando dramatizo você.
É que eu só queria ver um mundo colorido, mas devido às circunstâncias, hoje eu me contento com seu retrato em preto e branco.
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Tuesday, April 01, 2008

A emoção de ter e a razão de perder

Um dia olhei pra mim e vi que faltava algo. Logo descobri que na verdade faltava alguém. Percebi também que eu precisava de ombros, de cílios e de lábios preenchidos com o semblante do meu sexo oposto.
E esses ombros seriam meu sustento. E esses cílios seriam meu concreto. E esses lábios seriam minhas vontades. Sabe quando você ama muito, mas não sabe porquê? Sabe quando você explode e acha que perdeu a razão? Você sabe o que é perdoar quem te magoa e magoar quem te perdoa? – isso é amor. Não enxergamos o que realmente deve ser visto, por isso dizem que o amor é cego e que os amantes são cínicos. Por isso dizem que o amor é lindo, mas que amar é quase mais dolorido que uma faca enferrujada enfiada na aorta. Sabe quando te julgam e você acha que perdeu a razão? Lembre-se, você não perdeu nada, você só se amou um pouco mais e eu te amo ainda mais por isso.
Sabe quando tudo acaba e você continua não sabendo porquê? Eu desisti de tentar entender e decidi racionalizar meus sentimentos, justamente por saber que a razão é a forma mais concreta de eternizar a emoção.
[ texto muito antigo - acho que de 2003]