Friday, January 25, 2008

Não a via

Não havia nada por lá. Nem os deuses humanizados. Nem as cruzes. Nem as luzes. Nem os gestos simples. Nem os amores complicados. Nem os gatos apavorados. Nem os gastos apavorantes.

Não havia nada por lá. Nem os risos delicados das moças indelicadas. Nem os riscos constantes dos que não se arriscam. Nem o incômodo silêncio dos amantes recém-separados. Nem a sombra de um grande amor. Nem o corpo de uma pequena paixão.

Não havia nada por lá. Nem o riso das crianças abandonadas. Nem o choro dos velhos aposentados. Nem os gritos dos cães perdidos. Nem os berros dos donos que não se acham. Nem mesmo a morte tinha chegado.

Não havia nada por lá. E eu, daqui, não a via.

Sunday, January 13, 2008

Ao meu provável futuro amor

Ontem senti sua falta. Sinceramente, não sei quem é você, nem sei se você sabe quem sou eu. Isso, sinceramente, não interessa muito nesse meu estágio atual. Atualmente ando com as nuvens na cabeça. Penso à beça. Penso em como você poderia ser. Brinco em cima da probabilidade de coisas improváveis. É divertido imaginar um ser inimaginável e ao mesmo tempo saber que esse ser é real. Ele é real dentro da minha imaginação. Ele existe sim; mesmo que seja uma existência devido a sua inexistência.É bom saber que existe alguém que, provavelmente, nunca existirá de fato, mas sim em sonhos. O barato da vida está toda na imaginação. Imagino você sorrir, e você sorri!Imagino você fazendo o que eu quiser que você faça, e você faz – e o melhor de tudo : sem reclamar ! É uma delícia te imaginar. Desenho teu rosto com os traços que me agradam, coloco o nariz que eu prefiro, a boca que eu preciso, as roupas que te combinam, os gestos são exatamente como programei e a voz tem tantos tons quanto sentimentos. Acho que encontrei a melhor forma de te preservar: te construir. Sempre tomamos mais cuidado com aquilo que fazemos. Por isso, e por preguiça de procurar (confesso!), resolvi te construir. Confesso também que não foi uma tarefa tão simples assim. Pensar ou imaginar requer um certo preparo. Não posso te projetar de qualquer jeito. Não posso te formar de qualquer forma. Mas posso te informar com a mais absoluta certeza que ontem senti sua falta, mas até hoje não consegui perceber se era falta de você ou se era falta de sentir falta. Era uma falta boa de sentir. A falta de algo que ainda está por vir. A falta de algo que pode se tornar importante. Com certeza, não era falta de imaginação. Imaginação talvez seja a única coisa que eu ainda tenha de sobra. Por falar em sobra, dedico o tempo que me sobra ao meu provável futuro amor; mesmo tendo a plena consciência que a probabilidade de ver você um dia é a mesma de me tornar cego esta noite.

Parei de te imaginar.

Percebi que é inútil imaginar um provável futuro amor. Imaginar é fugir da realidade. Fugir da realidade é fugir da vida. Fugir da vida é se aproximar da morte. E se eu morrer agora, nunca vou te conhecer.

Saturday, January 12, 2008

Pertence mil e um [trecho 2]

[...]Eu me enganei. Pela milésima primeira vez, eu me enganei. E não é a primeira milésima vez que eu me engano. Todo mundo se engana no mínimo mil e uma vezes antes de achar que não está mais enganado. Talvez esse seja o maior de todos os enganos: achar que não se está mais enganado. Sempre estamos enganados. Somos enganos que andam que pensam que trepam que amam que brigam. Somos enganos que olham, que ouvem, que cospem, que sonham. Somos enganos que pensam que andam, que amam quando brigam, que olham quando trepam e que cospem nos sonhos. Eu não sou diferente de todo mundo quando o assunto é se enganar. Quando me engano me sinto mais real. Sinto que estou mais distante do meu mundo utópico onde existe uma paz que não existe, onde existe um todo que não se divide, onde possuo uma mulher que nunca tive, onde falo coisas que não ouso, onde escrevo poemas que não terminam, onde não escondo dores que se manifestam[...]

Wednesday, January 09, 2008

Cartas à Bárbara [trecho 2]

[...]A minha dose necessária de realidade já se tornou desnecessária faz tempo. Não preciso mais dar nomes ao que todo mundo quer, não preciso mais sentir o que todo mundo sente, não preciso mais dizer o que todo mundo quer ouvir, não preciso mais sonhar o que todo mundo deseja, não preciso trazer de volta o que todo mundo leva pra longe. Preciso me aproximar de mim. E não existe nada de mais distante de mim do que eu. Apesar da minha proximidade comigo, (ainda) sei que me vejo distante. Eu, aqui. Meu corpo, distante – passeando livre pelos intermináveis campos verdes – que até tentam nos enganar, nos dando a falsa ilusão de liberdade. Sempre achei que a liberdade sempre, sempre, sempre, sempre nos deixará presos ao sentimento de sermos livres. Hoje, me sinto livre pra falar que não existe liberdade. Sintam-se livres para me criticar.[...]

Tuesday, January 08, 2008

Passos passados

[...]Posso não ter sumido por muito tempo, mas foi tempo suficiente para não conseguir reaparecer da forma como gostaria que você me visse. Os teus olhos não se curaram com o tempo. Os teus olhos não se curaram como o Tempo. É incrível. O tempo passa. Os amores passam. Eu passo. Mas você permanece igual. Igual ao tempo que ficou pra trás.

Parece que fomos feitos de areia. O vento, quando sopra, brinca de nos afastar. O vento é teimoso e persistente. Sempre consegue o que ele quer. O vento, quando sopra, consegue nos afastar. O vento, quando sopra, consegue te levar. E nesse vai-e-vai desumano - desumano por ver quem eu amo dobrar o horizonte inalcançável - consigo me manter inerte e esperançoso. Eu sei que um dia nós seremos levados pelo mesmo vento e ao mesmo tempo para o mesmo esconderijo distante.

Enquanto isso me mande notícias.[...]