Monday, April 23, 2007

Saudades sinceras

O cais está cheio de sacos plásticos com marcas de supermercado. Sinal de que a globalização já chegou no fim do mundo. O cais está cheio de óleo, de barcos e de ondas fracas. Sinal de que a Natureza não tem mais força. O cais está cheio de curiosos que perderam um dia de trabalho para me ver dobrar o horizonte e sumir de vez de vista.Os gestos de adeus enfeitam a paisagem, preenchem alternadamente os espaços vazios, perturbam a inércia com um delicado vai-e-vem.Maridos traídos, mulheres virgens, crianças órfãs e bichos domesticados entornam lágrimas inúteis e se tornam testemunhas fundamentais dos meus testemunhos.Eu nunca entendi essas lágrimas.Sempre me soaram falsas, mas hoje eu sei que amanhã vou sentir saudades dessa falsidade necessária. A sinceridade, sinceramente, nunca me deu comida, nunca me deu um cigarro, nunca me abraçou ou me levou pra passear, nunca me deu a mão nem o braço à torcer, nunca me deu um emprego, nunca lavou meu carro, nunca me viu pelado nem nunca me pediu para ficar.
O vento me afasta do litoral. Procuro não olhar para trás. Tenho medo de ser sincero demais e interromper de vez essas saudades ininterruptas.

Não posso voltar.

Monday, April 16, 2007

Língua viva, boca morta

Língua viva, boca morta

O som não sai, mas quem se importa?

O som não traz você de volta

O som desfaz a sua escolta...

Língua viva, boca morta

Quem quer ouvir as suas notas?

Quem quer saber de onde eu vim?

Quem quer prever pra onde eu vou?

A dor não entra por esta porta

A dor invade e se acomoda

Nos erros que eu causei por mil

Tentando nunca mais errar.

Língua viva, boca morta

Ninguém se ama, mas quem se importa?

O amor não está mais na moda

O amor agora só nos incomoda.

Língua viva, boca morta

Quem quer dizer a sua fala?

Quem quer falar o que dizer?

Quem quer rever o seu discurso?

O amor só sai por esta porta

O amor invade e se aloja

Nos berros que berrei sozinho

Calando então a companhia...

Eu me canso à toa, eu me finjo de ator
Interpreto o que sou, mas não ganho o papel
O meu palco é o tempo, é o tempo em que estou...
Eu te amo por dentro, eu amo por fora
Eu te amo embora não há nada por dentro
Eu te mando embora e te faço entrar
Eu te amo por dentro, eu amo por fora
Eu te amo embora não há nada por dentro
Eu te mando embora e te faço entrar
E te mando embora e te trago de volta.

Tuesday, April 10, 2007

O que sobrou das sóbrias sobras de Bárbara ?

Bárbara quis se desfazer de tudo o que não lhe fazia bem. Ela trocou seu nome, ela trocou de roupa, ela pediu esmola e fugiu às pressas.Bárbara quis rodar o mundo, conhecer cidades desconhecidas, se distanciar um pouco dos seus conhecidos e tentar a sorte em outro domínio.Ela pintou seus olhos de uma cor mística e sumiu de vista sem dar notícias. Ela se viu perdida e se achou confusa, ela perdeu a graça, ela bebeu cachaça e se escondeu no meio de uma única multidão.A rua agora é a sua companhia: calada, imóvel assim como...Bárbara fez inúmeras promessas.Pediu,ainda sóbria, a proteção dos sóbrios e bebeu até ficar quase Santa e bebeu até ficar quase solta e bebeu até cair no chão e bebeu até sentir o chão e bebeu até sonhar no chão e bebeu até chegar no céu e bebeu até brindar com Deus e bebeu até brincar com Deus e pediu até um gole a mais e pediu pra não voltar mais, mas voltou..