Thursday, January 12, 2012

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 (sua viagem: uma dupla distância)

I

ESTOU EM SUAS MÃOS e você decidiu voar. E deve estar chegando nesse exato momento em Buenos Aires, são 21h32. Sei a hora e os minutos exatos porque calculo exatamente a falta que você me faz com a exatidão de um relógio suíço: daqueles que não erram porque simplesmente não podem errar. Leve na bagagem todo meu amor e volte com a mesma alegria de sempre. Adorei ouvir sua voz antes de embarcar e saber que você também já estava com saudade. Mas vai passar: será uma viagem breve, tão breve quanto este romance, e sei que você está muito bem acompanhada. Aproveite os bons ares para expirar J. L. Borges e inspirar O Aleph. Aquele ponto imaginário e jogado no infinito: o início e o fim de todas as coisas: onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima para curar e estancar todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. Jorge Luís Borges, mesmo quando usa uma linguagem complicada, no fundo só quer dizer uma coisa: que ama. E quando diz que ama, só quer dizer: que vive. E quando diz que vive: só quer se aproximar cada vez mais da morte. E morrer não é não mais respirar: é não querer enxergar a beleza da vida. E para isso não é preciso de olhos, de visão: sonhar é a mais bela forma de ver o mundo. Borges, de tanto amar e não ser compreendido, ficou cego. E mesmo cego, encontrou novas maneiras de sonhar o mundo e admirar a poesia. Infeliz deve ter sido por não ter conhecido os seus olhos grandes e quase negros. Com certeza seriam O Aleph de todas as belezas e de todas cores do mundo. Eu conheci os seus olhos: eu estive no seu mundo, mabelle. E através deles vi o início e o fim das coisas, vi que tudo tem um começo, um meio e incontáveis fins, vi também que o amor é um ponto distante no universo onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima de nós e nos curam de todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. Chega de Borges, chega de Aleph: vamos fechar este livro, abrir os seus olhos e continuar a ler o nosso breve romance.

II

Hoje sei que minhas dores são de saudade. E minhas saudades são suas: todas elas. A saudade do beijo que não nos demos porque não nos encontramos. A saudade da noite que você ficou de me encontrar, mas que não aconteceu e ficou para outro dia. A saudade do chá que você ficou de preparar: a água quente ainda espera suas mãos para desligar o fogo, e a água fervente ainda borbulha e apita e apita e apita como se quisesse te roubar de mim, como se quisesse chamar a sua atenção e te levar para a cozinha e te tirar do meu lado. Posso vasculhar o mundo, procurar por trás das dobras de cada canto de cada pedaço de terra, mergulhar na profundeza de todos os mares e revirar todas as conchas, voar na magnitude de todos os céus e invadir a pureza de todas as nuvens, nem assim encontrarei algo ou alguém que consiga suprir a necessidade de estar nos seus braços infinitos e me faça sentir como uma folha em branco nas mãos de um poeta que espera apenas suas ideias, o toque macio da pena, a tinta negra e a primeira letra para começar a existir, a nascer ou a morrer – tanto faz, para a poesia nascer ou morrer é a mesma coisa: é existir.

Sabe, eu nunca busquei deus quando rezava. A religião nunca me religou à nada. Sempre preferi acreditar no palpável. Quando eu me ajoelhava, antes de dormir, eu só pedia para te ver um pouco mais do que alguns minutos: porque até agora está sendo mais fácil acreditar Nele do que na possibilidade de ser seu um dia. É por você que eu sempre rezei, mesmo sem crer em deus. E se ele existe e se ele é bom, e se ele é o todo-poderoso, ele deve olhar e orar por todos: principalmente por aqueles que não acreditam na sua existência. Deus não existe, o que existe é uma vontade humana que ele exista. Você não existe, mabelle. O que existe é uma vontade quase divina que você seja minha. E é por isso que eu rezo todas as noites: sem exceção. Meu acalanto sempre foi saber que em algum momento eu fui importante na sua vida. Eu nunca quis te esconder: eu precisei. Não tive escolha: eu tive que te preservar. Mesmo sabendo que não eram meus ouvidos os destinatários de todos os seus eu te amo. Mesmo sabendo que não era comigo que você deitava todas as noites e gozava, nem sempre de prazer, e gozava mais uma vez, talvez por necessidade, e gozava de novo, talvez para suprir a minha falta. Eu tive que aprender a me contentar com as histórias curtas, os poucos minutos ao seu lado, os diálogos entrecortados, as conversas interrompidas, os silêncios quebrados: nosso amor sempre foi assim: tão breve e tão intenso e, por isso, tão eterno.

III

Quando você viaja chega a ser uma dupla distância, você fica mais longe do que longe. E eu sinto uma saudade redobrada: fico mais distante do que distante. Sua viagem deve estar quase acabando. Espero que os seus olhos grandes e quase negros também voltem com aquele mesmo brilho de quando partiram e me viram da última vez. Nas malas, não sei se você levou alguma foto minha: acredito que não: você sempre preferiu me guardar nas lembranças: é mais seguro. E eu te entendo. Às vezes, distanciar alguém é torná-lo mais seu.

Está tarde agora, o relógio suíço não deixa dúvidas: preciso deitar. Vou dormir e ver se consigo sonhar com você. Já sonho todos os dias acordado com seu sorriso, seu cheiro, seu jeito, sua energia contagiante e, claro, com aquela inconfundível gargalhada que ecoa pelos meus sonhos como se quisesse de alguma forma me despertar para a sua realidade. Espero que dessa vez os deuses dos sonhos – nesses, eu acredito! – escutem minhas sonoras orações e tragam você esta noite. Mas como sonhar com você se você já é o próprio sonho?

IV

Depois de mais um longo dia de trabalho: estou de volta. Depois de mais um longo dia longe de você: estou de volta. Hoje, o dia pareceu ainda mais interminável do que os outros tantos que vi morrer antes de te conhecer. Faltou você naquela sala. Faltou sua risada. Sim, você e sua risada fazem falta. Sua presença toma conta daquele espaço inocentemente, sem medir esforço, sem exigir nada em troca. Parece que só tem você ali, sabe? Hoje, você chegaria mais tarde – por volta das 9h40, por causa da ioga. E, como de costume, iria atravessar toda a sala, passar por trás da minha cadeira, esbarrar em mim – sem querer, é claro! – e me dar bom-dia; o bom-dia mais sorridente do mundo. Meu coração dispara quando você chega e me diz bom-dia com um largo sorriso estampado no rosto e uma leve piscadinha com o olho esquerdo. Aquele mesmo sorriso que começa nos seus lábios e termina no brilho dos seus olhos grandes e quase negros. Depois, iria deixar seu tapetinho lilás em algum canto, atrás da cortina empoeirada e perguntar, com a delicadeza de sempre, se eu já tomei meu café da manhã ou se eu aceito um chá. Só então meu dia pode realmente começar. Você faz uma falta absurda. Existem dois mundos: quando você está aqui por perto e quando você decide voar. Volta logo, mabelle.

V

O calendário não deixa dúvidas: vinte e dois de abril. Senti sua falta esses dias: e nos outros todos também. Aliás, sinto sua falta até quando você está do meu lado: contando histórias, sorrindo, calada. Confesso que tentei preencher a sua ausência lendo livros, escrevendo poemas, ouvindo músicas. Tudo em vão. Você aparecia em cada página e era a inspiração de cada verso e era a melodia, a nota, o arranjo, a voz, a beleza sonora de cada composição. E a saudade só fazia aumentar. Tentei preencher sua ausência dobrando esquinas, passeando por novas ruas – ruas por onde nunca havíamos andados juntos. Até parei em alguns bares. Em vão. Você estava claramente, linda e sorridente, em cada esquina de mãos dadas com as minhas e quando soltava a minha mão, ainda encontrava um jeito de fumar delicadamente seu último cigarro só para poder ficar mais um pouco comigo, antes de embarcar no metrô e sumir na sua realidade: até amanhã. Você também estava no bar, dividindo o mesmo vinho e os seus olhos até brilharam, um brilho fruto do excesso de álcool e da felicidade em dividir mais alguns preciosos e raros minutos da sua vida comigo: naquele instante. Você sempre vai me fazer falta e nada, nem mesmo você, será capaz de suprir essas ausências diárias. Mas não se sinta culpada por nada, eu já te perdoei por tudo. E não adianta querer fugir, voar para bem longe: o lugar mais distante do mundo fica entre nós. 

1 comment:

anareis said...

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