Thursday, January 12, 2012

Página 4

(a casa encantada)
Passamos pela porta de entrada: tudo estava em construção. Nosso sentimento também. Nunca passou pela minha cabeça que você pudesse ver algo em mim: sempre fui tímido, reservado: sempre falei pouco. Só de poder dividir alguns almoços, um pedaço do caminho na volta para casa, depois do trabalho, já me deixava feliz. E eu não pensava em nada mais: só queria estar com você de um jeito sincero: puro. Gostava de estar do seu lado, conversar, ouvir suas bobagens, observar seus olhos grandes e quase negros brilharem ao falar do seu filho, ao falar de livros, ao me mostrar seus autores favoritos. Adorava ouvir sua vida. Sua energia me contagiava. Sua presença me bastava. E havia um mundo ali, mas eu só via você. E havia tantas vozes, mas eu só escutava a sua: doce e delicada. E havia música também, mas o que tocava era o ritmo descompassado do seu coração nervoso pronto para se entregar. Quando os olhos brilham e a boca seca e as pernas tremem pode ter certeza que é amor. Amor, sim. No seu mais puro estado de lucidez. Ou sei lá como você chama esse sentimento doce e confuso que deixa o peito apertado, o coração atordoado e a alma leve, flutuando atrás de alguém que nem sempre flutua no mesmo ar. É assim que eu me sinto desde que saímos da casa encantada: nada até agora já vivido se compara aos breves segundos que durou nosso beijo, escondido, proibido e ao mesmo tempo tão sincero. E meu silêncio parecia querer te amar. E mudos, surdos, quase cegos, nos beijamos pela primeira vez. Lembra? E esse gosto nunca mais saiu dos meus lábios. Estávamos bêbados de álcool e felicidade. Estávamos molhados de chuva e excitação. Mas eu teria feito tudo de novo: seco e sóbrio. Sabe quando não se espera nada: nada além de um sorriso, de um abraço, de uma palavra bonita e dita na hora certa? É assim que tudo fica mais saboroso. O gosto do eterno, o frio na barriga: tudo estava ali, como manda o figurino das mais belas cenas de beijo dos mais belos filmes de amor de todos os tempos. E aquele momento durou pouco o suficiente para ser lembrado para sempre. Depois andamos abraçados até o metrô, ainda bêbados de álcool e felicidade, ainda molhados de chuva e excitação. E você voltou para sua realidade: seca e sóbria. E eu voltei para casa: bêbado e só. Se não fosse o gosto tão real do seu beijo de despedida, se não fosse a verdade tão sincera exalando dos seus olhos grandes e quase negros, se não fosse o toque quente de suas mãos tão frias, eu ia acreditar que foi só um sonho. Um sonho que nunca mais saiu dos meus lábios. Um sonho que nunca mais me deixou dormir, mabelle.

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