Thursday, January 12, 2012

Página 5

(dois dias para a eternidade)

ESTOU EM SUAS MÃOS e você em cada nota. Na vitrola, a trilha sonora daqueles dois dias inesquecíveis embala cada palavra e convida todas as letras para uma dança onírica: o A segura o M pela cintura, que se desprende com toda a naturalidade do alfabeto e parece querer rodopiar feito o O no meio desta página, sem deixá-lo escapar; que, por sua vez, tenta convencer o R a não errar o ritmo, a não sair da dança, a fechar os olhos e simplesmente sentir. É, amor: estamos dançando. Eu, como sempre, fora do compasso, sem saber como acompanhar seus passos, sem saber como invadir seu espaço sem te incomodar. Você, como sempre, delicada e quente, me pedia para falar em outra língua palavras delicadas e quentes, e me contava sobre seus sonhos delicados e quentes, e revelava segredos delicados e quentes, e até tinha imaginado, com a delicadeza e a quentura que só uma mãe é capaz de sentir, como seriam os nossos filhos que ainda nem nasceram, mas que já tinham nome e lugar para sorrir no mundo. Tudo foi tão lindo, e ainda é. Tudo foi tão sincero, e ainda é. Tudo foi tão verdadeiro, e ainda é. Nunca me senti tão bem e tão entregue em tão pouco tempo. Estávamos livres e nos deixamos levar pela melodia, pelos toques, pelas carícias, pelos beijos: tudo se encaixou perfeitamente. A música se encaixou com a dança que se encaixou com os toques que se encaixaram com as carícias que se encaixaram com os beijos que se encaixaram com os corpos. E os nossos corpos se encaixaram tão bem. Pelo menos, naquela noite não senti falta de nada: nem do mês de dezembro, quase janeiro que se despede lá fora.

A primavera estava ali: tinha brotado do seu corpo. Seus olhos, duas sementes de futuras flores – talvez astromélias, suas preferidas – ainda tentavam admirar o inverno que ficou para trás. Eu, acompanhado da única certeza que ainda me resta, a poesia, fazia versos para que o nosso amor nasça cada vez mais florido daqui pra frente. Enquanto isso, ainda escuto as nossas músicas. Sim, aquelas que embalam cada palavra e convidam todas as letras para uma dança onírica. E quando ouço cada nota quero te abraçar, te envolver, quase querendo te proteger de um mal que parece não existir quando estamos juntos, meu amor. E te apertar até você sumir em mim e nunca mais sair daqui de dentro. E te esmagar delicadamente até você ser a minha voz e dizer que me ama, até você bater no mesmo compasso do meu coração e viver para sempre no meu corpo, até você ser as minhas mãos e querer me proteger de um jeito que só você sabe e consegue e pode. E ficar ali, em mim, o tempo que você souber e conseguir e puder: até ser os meus pés e seguir os meus passos e me levar para onde você quiser fugir. E não querer fugir. Você quer fugir, mabelle?

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