Saturday, April 12, 2008

Basta você me bastar

[...]
Basta você esboçar um sorriso qualquer – mesmo irônico, pouco importa - para me deixar um pouco menos triste. Fique feliz por isso. Basta você olhar pela janela e me avisar que está chovendo – eu acredito. Nem me preocupo em abrir a minha para confirmar. Acredito em você. Basta você levantar de madrugada, sem saber onde olhar, sem saber me procurar, sem saber onde me achar, que eu já fico bem só de imaginar você perdida tentando me encontrar. Basta você começar a fumar, mesmo sabendo que o cigarro não te faz bem, que eu fico com ciúmes – ciúmes do seu cigarro. Eu sei que é quase ridículo sentir ciúmes de algo que não te faz bem – mas eu sinto. Quero ser esse cigarro. Esse cigarro que você fuma pela manhã e deixa pela metade durante o dia para terminá-lo delicadamente à noite, entre seus lábios. Quero ser esse cigarro grudado nos teus dedos, firme, com a certeza que você não vai me largar tão cedo e que mais tarde vou terminar morrendo inteiro na sua boca. Mesmo que você me apague depois, com a maior calma do mundo, como se não tivesse lhe proporcionado nada. Você me mata. E isso me basta. Quero ser esse cigarro que aparece nas tuas fotografias em preto e branco. Esse cigarro que libera a fumaça. A fumaça por trás da qual você se esconde. A fumaça por trás da qual você esconde sorrisos, bondade. A fumaça por trás da qual você esconde uma menina, uma menina que sonha, uma menina que dança, uma menina que some. Pensar em você me basta. Pensar em você me mata. Você me mata. E quando eu morro, eu caio no meu chão. Um chão onde existem apenas migalhas de pães mal-comidos, sobras de mulheres mal-comidas, restos de amores polêmico e um tapete colorido. Um chão onde existem poemas inacabados que nunca serão acabados, retratos envelhecidos que nunca serão renovados, sonhos esquecidos que nunca serão recordados, pedaços de noites desperdiçadas que nunca serão religados, alguns amores platônicos e você descolorida. Até descolorida você me basta. E isso me mata.
[...]

5 comments:

FlaM said...

ixi! essa coisa meio masô, de querer ser cigarro, me lembrou outra coisa...
Agora vc vai dizer "lá vem"...
vc sabia que a fêmea do louvadeus é uma espécie de símbolo sadiano? Sabe pq?
Essa figura condensa erotismo, morte, êxtase, sacrifício. Ela decapita seu macho pq, quando decapitado, ele executa melhor e mais demoradamente os espasmos da cópula...
Cuidado: "O canibalismo é feminino."(André Masson)
KKKKKKK!
Sorry, acho que estou estudando demais!
Mas não sei se vale a pena ser cigarro... kkkkkk - é um pouco como ser louva-deus...
É como diz o palito de fósforo, ou o sobrevivente da revolução francesa: preserve sua cabeça! Ou as bruxas na inquisição: fogo, fumaça - tô fora!
Brincadeirinha! Eu é que tô ficando lelé aqui na minha clausura - lindo o que vc escreveu!
bjim, f

Camilinha said...

Deixa ela te matar, não... Mata ela primeiro, com tuas palavras afiadas, teu simbolismo cruel, com todo esse amor que tens aí no peito... Mata ela, que ela vai viver em vocE^!!!

hehe

beijos daqui...

Morganna said...

menino, é muito amor dentro de ti!

e entre mortes, cores e retratos, os cigarros também são poemas.

foi assim que eu senti.

Bárbara Lemos said...

Você acabou de me fazer chorar.

Quantas vezes eu já não me vi no mesmo estado, querendo dizer as mesmas coisas, sentindo as mesmas angústias?

Puta que o pariu.

Liz Christine said...

adorei esse texto, como muitos outros... tu escreve muito bem... quando visito teu blog acabo relendo os mais antigos além de ler os novos...

(ah se puder dá uma olhada no texto que acabei de postar no meu blog e me diz o que acha...)

beijos,
Liz