Saturday, October 08, 2011

A Primeira Primavera de Eloise Hartwies

Você ainda não nasceu, mas já sorri como se conhecesse o mundo de cor, e já enxerga como se tivesse visto todas as cores do mundo, e até se comporta como se tivesse superado todas as dores do mundo. E ainda assim, sem ter começado a viver e ao mesmo tempo tendo vivido tão intensamente, ainda tem toda uma vida pela frente. Mas não se assuste, meu amor. Pode se amedrontar sem medo: viver é justamente matar o que nos assusta, e estamos aqui para te acompanhar. Por enquanto, você faz parte dos meus sonhos confusos e sua voz já ecoa pela minha realidade, pelos meus tímpanos, como se fosse me chamar a qualquer instante e, pode ter certeza, que a qualquer instante estarei lá, lá onde você estiver. Por enquanto, você é fruto da imaginação fértil da sua mãe e sua mão, pequena, já procura a grandeza dos seus dedos para segurar com toda a força que você ainda não tem e se sentir protegida naquele pedaço de pele tão desconhecido, mas que você sabe que será seu daqui pra sempre. E, assim, na ânsia de existir, de ser, sua boca já procura o seio menos distante para se alimentar de vida.

Você ainda não nasceu, mas já herdou o sorriso da sua mãe, que até então eu achava que não poderia pertencer a mais ninguém, mas agora vejo que também é todo seu. E isso me faz sorrir, feito criança. Você também herdou seus olhos grandes: duas sementes negras que precisam da água e do sal das suas futuras lágrimas para brotar e fazer florescer todo o seu brilho, um brilho que eu só encontro quando você esboça uma careta qualquer, procurando as palavras exatas que você não ainda conhece para dizer que me ama. Seus lábios são claros e são finos porque precisam dizer delicadamente o quanto você também a ama, e precisam pedir com ternura e simplicidade sempre que você precisar de um colo ou de uma palavra doce que conforte e acalme a sua alma. De mim, você herdou o fascínio pela sua mãe. E a minha timidez e os meus silêncios que, um dia, serão tão necessários. Principalmente quando você se apaixonar pela primeira vez. E, mais uma vez, meu amor não se assuste. Você, tão logo, vai se decepcionar. As paixões não têm o mesmo sabor. São breves, são loucas, são tantas e, entretanto, não chegam aos pés de um grande amor. Esse sim, eterno. Esse sim, dócil. Esse sim, fértil.

Você ainda não nasceu e já treme, não de frio, mas de saudade do agasalho bordado pelas mãos de sua avó, que você ainda não conheceu, mas que te espera com as mesmas rugas e os mesmos brinquedos. E já teme não ser filha única, soberana. E sente ciúmes do seu irmão mais novo dividindo os meus abraços, os beijos da sua mãe, o carinho dos dois. E quando você chorar, de frio ou de ciúmes, talvez meus ombros não estejam mais aqui porque um dia eu também preciso partir.

Você ainda não nasceu, mas já invade nosso mundo como se estivesse aqui há séculos e olha pra sua mãe como se já tivesse olhado tantas outras vezes para ela e pede para ser ninada como se nunca tivesse sido abraçada. Olho para vocês: ela, nos seus braços que agora são seu berço. Você, iluminada, como se guardasse deus no colo, com a delicadeza maternal de quem esperou nove meses, e esperaria até uma vida, só para vê-la sorrir, só para vê-la enxergar, só para vê-la se comportar como se já conhecesse as dores e as cores do mundo de cor, antes de nascer. 

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