Wednesday, February 22, 2012

Sua ausência


Há um certo fascínio indescritível em procurar palavras que não existem para te encontrar descrita na textura de uma página virgem, alva. Um fascínio quase torturante que machuca sem querer minhas mãos quando se esforçam para não tremer, de frio ou de saudade, e manchar a brancura desta folha com todas as dores invisíveis dessa sua ausência tão descolorida.

Thursday, January 12, 2012

Página 7


 (sua viagem: uma dupla distância)

I

ESTOU EM SUAS MÃOS e você decidiu voar. E deve estar chegando nesse exato momento em Buenos Aires, são 21h32. Sei a hora e os minutos exatos porque calculo exatamente a falta que você me faz com a exatidão de um relógio suíço: daqueles que não erram porque simplesmente não podem errar. Leve na bagagem todo meu amor e volte com a mesma alegria de sempre. Adorei ouvir sua voz antes de embarcar e saber que você também já estava com saudade. Mas vai passar: será uma viagem breve, tão breve quanto este romance, e sei que você está muito bem acompanhada. Aproveite os bons ares para expirar J. L. Borges e inspirar O Aleph. Aquele ponto imaginário e jogado no infinito: o início e o fim de todas as coisas: onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima para curar e estancar todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. Jorge Luís Borges, mesmo quando usa uma linguagem complicada, no fundo só quer dizer uma coisa: que ama. E quando diz que ama, só quer dizer: que vive. E quando diz que vive: só quer se aproximar cada vez mais da morte. E morrer não é não mais respirar: é não querer enxergar a beleza da vida. E para isso não é preciso de olhos, de visão: sonhar é a mais bela forma de ver o mundo. Borges, de tanto amar e não ser compreendido, ficou cego. E mesmo cego, encontrou novas maneiras de sonhar o mundo e admirar a poesia. Infeliz deve ter sido por não ter conhecido os seus olhos grandes e quase negros. Com certeza seriam O Aleph de todas as belezas e de todas cores do mundo. Eu conheci os seus olhos: eu estive no seu mundo, mabelle. E através deles vi o início e o fim das coisas, vi que tudo tem um começo, um meio e incontáveis fins, vi também que o amor é um ponto distante no universo onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima de nós e nos curam de todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. Chega de Borges, chega de Aleph: vamos fechar este livro, abrir os seus olhos e continuar a ler o nosso breve romance.

II

Hoje sei que minhas dores são de saudade. E minhas saudades são suas: todas elas. A saudade do beijo que não nos demos porque não nos encontramos. A saudade da noite que você ficou de me encontrar, mas que não aconteceu e ficou para outro dia. A saudade do chá que você ficou de preparar: a água quente ainda espera suas mãos para desligar o fogo, e a água fervente ainda borbulha e apita e apita e apita como se quisesse te roubar de mim, como se quisesse chamar a sua atenção e te levar para a cozinha e te tirar do meu lado. Posso vasculhar o mundo, procurar por trás das dobras de cada canto de cada pedaço de terra, mergulhar na profundeza de todos os mares e revirar todas as conchas, voar na magnitude de todos os céus e invadir a pureza de todas as nuvens, nem assim encontrarei algo ou alguém que consiga suprir a necessidade de estar nos seus braços infinitos e me faça sentir como uma folha em branco nas mãos de um poeta que espera apenas suas ideias, o toque macio da pena, a tinta negra e a primeira letra para começar a existir, a nascer ou a morrer – tanto faz, para a poesia nascer ou morrer é a mesma coisa: é existir.

Sabe, eu nunca busquei deus quando rezava. A religião nunca me religou à nada. Sempre preferi acreditar no palpável. Quando eu me ajoelhava, antes de dormir, eu só pedia para te ver um pouco mais do que alguns minutos: porque até agora está sendo mais fácil acreditar Nele do que na possibilidade de ser seu um dia. É por você que eu sempre rezei, mesmo sem crer em deus. E se ele existe e se ele é bom, e se ele é o todo-poderoso, ele deve olhar e orar por todos: principalmente por aqueles que não acreditam na sua existência. Deus não existe, o que existe é uma vontade humana que ele exista. Você não existe, mabelle. O que existe é uma vontade quase divina que você seja minha. E é por isso que eu rezo todas as noites: sem exceção. Meu acalanto sempre foi saber que em algum momento eu fui importante na sua vida. Eu nunca quis te esconder: eu precisei. Não tive escolha: eu tive que te preservar. Mesmo sabendo que não eram meus ouvidos os destinatários de todos os seus eu te amo. Mesmo sabendo que não era comigo que você deitava todas as noites e gozava, nem sempre de prazer, e gozava mais uma vez, talvez por necessidade, e gozava de novo, talvez para suprir a minha falta. Eu tive que aprender a me contentar com as histórias curtas, os poucos minutos ao seu lado, os diálogos entrecortados, as conversas interrompidas, os silêncios quebrados: nosso amor sempre foi assim: tão breve e tão intenso e, por isso, tão eterno.

III

Quando você viaja chega a ser uma dupla distância, você fica mais longe do que longe. E eu sinto uma saudade redobrada: fico mais distante do que distante. Sua viagem deve estar quase acabando. Espero que os seus olhos grandes e quase negros também voltem com aquele mesmo brilho de quando partiram e me viram da última vez. Nas malas, não sei se você levou alguma foto minha: acredito que não: você sempre preferiu me guardar nas lembranças: é mais seguro. E eu te entendo. Às vezes, distanciar alguém é torná-lo mais seu.

Está tarde agora, o relógio suíço não deixa dúvidas: preciso deitar. Vou dormir e ver se consigo sonhar com você. Já sonho todos os dias acordado com seu sorriso, seu cheiro, seu jeito, sua energia contagiante e, claro, com aquela inconfundível gargalhada que ecoa pelos meus sonhos como se quisesse de alguma forma me despertar para a sua realidade. Espero que dessa vez os deuses dos sonhos – nesses, eu acredito! – escutem minhas sonoras orações e tragam você esta noite. Mas como sonhar com você se você já é o próprio sonho?

IV

Depois de mais um longo dia de trabalho: estou de volta. Depois de mais um longo dia longe de você: estou de volta. Hoje, o dia pareceu ainda mais interminável do que os outros tantos que vi morrer antes de te conhecer. Faltou você naquela sala. Faltou sua risada. Sim, você e sua risada fazem falta. Sua presença toma conta daquele espaço inocentemente, sem medir esforço, sem exigir nada em troca. Parece que só tem você ali, sabe? Hoje, você chegaria mais tarde – por volta das 9h40, por causa da ioga. E, como de costume, iria atravessar toda a sala, passar por trás da minha cadeira, esbarrar em mim – sem querer, é claro! – e me dar bom-dia; o bom-dia mais sorridente do mundo. Meu coração dispara quando você chega e me diz bom-dia com um largo sorriso estampado no rosto e uma leve piscadinha com o olho esquerdo. Aquele mesmo sorriso que começa nos seus lábios e termina no brilho dos seus olhos grandes e quase negros. Depois, iria deixar seu tapetinho lilás em algum canto, atrás da cortina empoeirada e perguntar, com a delicadeza de sempre, se eu já tomei meu café da manhã ou se eu aceito um chá. Só então meu dia pode realmente começar. Você faz uma falta absurda. Existem dois mundos: quando você está aqui por perto e quando você decide voar. Volta logo, mabelle.

V

O calendário não deixa dúvidas: vinte e dois de abril. Senti sua falta esses dias: e nos outros todos também. Aliás, sinto sua falta até quando você está do meu lado: contando histórias, sorrindo, calada. Confesso que tentei preencher a sua ausência lendo livros, escrevendo poemas, ouvindo músicas. Tudo em vão. Você aparecia em cada página e era a inspiração de cada verso e era a melodia, a nota, o arranjo, a voz, a beleza sonora de cada composição. E a saudade só fazia aumentar. Tentei preencher sua ausência dobrando esquinas, passeando por novas ruas – ruas por onde nunca havíamos andados juntos. Até parei em alguns bares. Em vão. Você estava claramente, linda e sorridente, em cada esquina de mãos dadas com as minhas e quando soltava a minha mão, ainda encontrava um jeito de fumar delicadamente seu último cigarro só para poder ficar mais um pouco comigo, antes de embarcar no metrô e sumir na sua realidade: até amanhã. Você também estava no bar, dividindo o mesmo vinho e os seus olhos até brilharam, um brilho fruto do excesso de álcool e da felicidade em dividir mais alguns preciosos e raros minutos da sua vida comigo: naquele instante. Você sempre vai me fazer falta e nada, nem mesmo você, será capaz de suprir essas ausências diárias. Mas não se sinta culpada por nada, eu já te perdoei por tudo. E não adianta querer fugir, voar para bem longe: o lugar mais distante do mundo fica entre nós. 

Página 6

(sem medo de sangrar)

ESTOU EM SUAS MÃOS e acho que você roubou meu coração de tal forma que hoje ele só consegue bater corretamente depois de receber qualquer sinal de vida seu: uma mensagem, um telefonema, um sorriso de saudade, um eu te amo embaraçado. Como te disse mais cedo: meu dia só começa depois do seu bom-dia. E é verdade. Você traz cor ao meu dia, dita o tom da minha alegria, faz o meu mundo ter algum sentido maior do que simplesmente despertar, trabalhar e dormir até despertar novamente.

Acho que você levou também minha visão. Sim. Não enxergo mais nada além dos seus olhos grandes e quase negros. Você me aparece todos os dias, e a cada minuto, tão claramente que quase abraço o vazio achando ser um fantasma seu. E é. Sem dúvida, o mais belo de todos os fantasmas: invisível, raramente presente, e ao mesmo tempo tão vivo: tão aqui. Chego a ter lágrimas nos olhos quando penso em você, meu fantasma. Não é exagero. Você me encanta de tal forma que, hoje, tenho o prazer em acordar todas as manhãs e saber que vou dividir boa parte do meu dia com o seu. E saber que vou sentir a quentura das suas mãos frias quando encostar os meus dedos na sua pele, branca e delicada. E saber que vou me perder no silêncio abissal do seu abraço infinito. E mergulhar sem medo de sangrar nesse abismo doce e confuso que é amar quem não pode te segurar. E mesmo assim me deixar ir com a certeza de que os seus braços são compridos e dóceis o bastante para amortecer a minha queda antes que eu toque o chão e me proteger: como uma mãe protegeria um filho antes de alcançar o céu.

Você simplesmente me encanta: mesmo sabendo que, quando a noite começa a cair, você começa a se levantar e a se ausentar e a seguir sozinha como um fantasma o caminho até a sua realidade. Você me encanta de tal maneira que, hoje, vou dormir com a doce e triste certeza que em algum momento você aparecerá no meu sonho – não mais como um belo fantasma, não mais com aquelas incertezas claramente tatuadas na grandeza e na escuridão dos seus olhos – e irá dizer que me ama com aquele sorriso único que começa no canto da sua boca e termina no brilho dos meus olhos.

O mundo lá fora é tão pequeno. Aqui dentro, pequena, temos um mundo infinito esperando por nós.

Página 5

(dois dias para a eternidade)

ESTOU EM SUAS MÃOS e você em cada nota. Na vitrola, a trilha sonora daqueles dois dias inesquecíveis embala cada palavra e convida todas as letras para uma dança onírica: o A segura o M pela cintura, que se desprende com toda a naturalidade do alfabeto e parece querer rodopiar feito o O no meio desta página, sem deixá-lo escapar; que, por sua vez, tenta convencer o R a não errar o ritmo, a não sair da dança, a fechar os olhos e simplesmente sentir. É, amor: estamos dançando. Eu, como sempre, fora do compasso, sem saber como acompanhar seus passos, sem saber como invadir seu espaço sem te incomodar. Você, como sempre, delicada e quente, me pedia para falar em outra língua palavras delicadas e quentes, e me contava sobre seus sonhos delicados e quentes, e revelava segredos delicados e quentes, e até tinha imaginado, com a delicadeza e a quentura que só uma mãe é capaz de sentir, como seriam os nossos filhos que ainda nem nasceram, mas que já tinham nome e lugar para sorrir no mundo. Tudo foi tão lindo, e ainda é. Tudo foi tão sincero, e ainda é. Tudo foi tão verdadeiro, e ainda é. Nunca me senti tão bem e tão entregue em tão pouco tempo. Estávamos livres e nos deixamos levar pela melodia, pelos toques, pelas carícias, pelos beijos: tudo se encaixou perfeitamente. A música se encaixou com a dança que se encaixou com os toques que se encaixaram com as carícias que se encaixaram com os beijos que se encaixaram com os corpos. E os nossos corpos se encaixaram tão bem. Pelo menos, naquela noite não senti falta de nada: nem do mês de dezembro, quase janeiro que se despede lá fora.

A primavera estava ali: tinha brotado do seu corpo. Seus olhos, duas sementes de futuras flores – talvez astromélias, suas preferidas – ainda tentavam admirar o inverno que ficou para trás. Eu, acompanhado da única certeza que ainda me resta, a poesia, fazia versos para que o nosso amor nasça cada vez mais florido daqui pra frente. Enquanto isso, ainda escuto as nossas músicas. Sim, aquelas que embalam cada palavra e convidam todas as letras para uma dança onírica. E quando ouço cada nota quero te abraçar, te envolver, quase querendo te proteger de um mal que parece não existir quando estamos juntos, meu amor. E te apertar até você sumir em mim e nunca mais sair daqui de dentro. E te esmagar delicadamente até você ser a minha voz e dizer que me ama, até você bater no mesmo compasso do meu coração e viver para sempre no meu corpo, até você ser as minhas mãos e querer me proteger de um jeito que só você sabe e consegue e pode. E ficar ali, em mim, o tempo que você souber e conseguir e puder: até ser os meus pés e seguir os meus passos e me levar para onde você quiser fugir. E não querer fugir. Você quer fugir, mabelle?

Página 4

(a casa encantada)
Passamos pela porta de entrada: tudo estava em construção. Nosso sentimento também. Nunca passou pela minha cabeça que você pudesse ver algo em mim: sempre fui tímido, reservado: sempre falei pouco. Só de poder dividir alguns almoços, um pedaço do caminho na volta para casa, depois do trabalho, já me deixava feliz. E eu não pensava em nada mais: só queria estar com você de um jeito sincero: puro. Gostava de estar do seu lado, conversar, ouvir suas bobagens, observar seus olhos grandes e quase negros brilharem ao falar do seu filho, ao falar de livros, ao me mostrar seus autores favoritos. Adorava ouvir sua vida. Sua energia me contagiava. Sua presença me bastava. E havia um mundo ali, mas eu só via você. E havia tantas vozes, mas eu só escutava a sua: doce e delicada. E havia música também, mas o que tocava era o ritmo descompassado do seu coração nervoso pronto para se entregar. Quando os olhos brilham e a boca seca e as pernas tremem pode ter certeza que é amor. Amor, sim. No seu mais puro estado de lucidez. Ou sei lá como você chama esse sentimento doce e confuso que deixa o peito apertado, o coração atordoado e a alma leve, flutuando atrás de alguém que nem sempre flutua no mesmo ar. É assim que eu me sinto desde que saímos da casa encantada: nada até agora já vivido se compara aos breves segundos que durou nosso beijo, escondido, proibido e ao mesmo tempo tão sincero. E meu silêncio parecia querer te amar. E mudos, surdos, quase cegos, nos beijamos pela primeira vez. Lembra? E esse gosto nunca mais saiu dos meus lábios. Estávamos bêbados de álcool e felicidade. Estávamos molhados de chuva e excitação. Mas eu teria feito tudo de novo: seco e sóbrio. Sabe quando não se espera nada: nada além de um sorriso, de um abraço, de uma palavra bonita e dita na hora certa? É assim que tudo fica mais saboroso. O gosto do eterno, o frio na barriga: tudo estava ali, como manda o figurino das mais belas cenas de beijo dos mais belos filmes de amor de todos os tempos. E aquele momento durou pouco o suficiente para ser lembrado para sempre. Depois andamos abraçados até o metrô, ainda bêbados de álcool e felicidade, ainda molhados de chuva e excitação. E você voltou para sua realidade: seca e sóbria. E eu voltei para casa: bêbado e só. Se não fosse o gosto tão real do seu beijo de despedida, se não fosse a verdade tão sincera exalando dos seus olhos grandes e quase negros, se não fosse o toque quente de suas mãos tão frias, eu ia acreditar que foi só um sonho. Um sonho que nunca mais saiu dos meus lábios. Um sonho que nunca mais me deixou dormir, mabelle.

Página 3

(você realmente me ama?)

ESTOU EM SUAS MÃOS e você cadê? Na rua? Perto de casa? Atravessando o último sinal antes de se esconder no seu mundo? No metrô: sentada, esperando as duas próximas estações para desembarcar e voltar para a sua realidade? Escondida em algum andar de um prédio qualquer para ler ou reler cada palavra aqui escrita sem ser vista, interrompida, encontrada, descoberta, despida pela sua realidade? Estendida em algum canto, desentendida em outro canto – como tantos que existem por aí? Cantarolando alguma música qualquer para se distrair e não me esquecer? Imaginando algum amor qualquer para se apaixonar e não me aquecer? Estou em suas mãos e você cadê? Preparando um chá – preto ou verde ou branco – para se acalmar e se curar de todas as dores com todas as cores e então, entre um gole quente e outro morno, descobrir que o amor é uma dor fria que já nasce anestesiada? Bebendo um vinho tinto e seco para embriagar o nosso breve romance e ter as mãos trêmulas para fingir que não consegue me alcançar? Nessas horas – quando você não sabe onde está e simplesmente quer sumir do mundo, estalar os dedos e procurar uma realidade distante da sua – você nunca gostou de conversar e sempre preferiu o silêncio disfarçado de cinzas e gargalhadas. Realmente, os cigarros e as risadas são as melhores formas de acariciar o que nos faz sofrer, o que nos faz doer, enfim: o que nos faz viver. Estou em suas mãos e você cadê? Ajeitando a maquiagem para esconder a perfeição que os seus olhos grandes e quase negros desenharam no seu rosto? Pensando em mim sem poder pensar? Jogada na cama, nua, coberta apenas pela minha poesia, querendo que o amanhã chegue logo para me encontrar e descobrir que você está descoberta de razão? Cadê você, meu amor? Que o amanhã seja hoje para que você possa esbarrar em mim e me berrar com aquele silêncio – que só eu consigo escutar – que você me ama, que você me ama, que você me ama... Você realmente me ama, mabelle?

Estou em suas mãos e você em cada poema. Os dias são amores em claro e é claro que esta noite não ouvirei a sua voz tão delicada. E amanhã? Não se sabe. Nosso amanhã é sempre um talvez. Ontem consegui me acalmar com suas breves e belas palavras. O amor se alimenta e, sobretudo, sobrevive de belas e breves palavras. É assim, e só assim, que ele consegue se manter vivo. E o que me mantém vivo? Além das suas belas e breves palavras? Sem dúvida, a eterna vontade de preservar tudo o que você me diz ontem, hoje e sempre. Todo amor que você não ama / É um amor que desanda, é um amor que deságua em infinitas mágoas / E foge sem asas, como um pássaro amedrontado pela liberdade, num céu sem estrelas / À procura de um amor tão infinito quanto as mágoas / E parte sem querer partir /E se parte sem querer voltar.

Página 2

(escrever para você é respirar)

ESTOU EM SUAS MÃOS e você em cada palavra. Não se assuste meu amor, o amor não mata: só machuca e decepciona um pouco, às vezes, e aos poucos. Mas sempre se supera e, mesmo quando morre ou parece perder fôlego, e mesmo quando chora ou parece sorrir loucamente, e mesmo quando implora ou se esquece de pedir um pouco de atenção: ele acaba recomeçando. Por isso é e será sempre vital, assim como escrever. Eu escrevo porque preciso dividir com alguém tudo o que explode em mim: o amor, a saudade e você.  Preciso da companhia dos seus olhos grandes e quase negros para ler a solidão dos meus poemas curtos e quase cegos. Preciso da maestria da sua sensibilidade para interpretar sobriamente a insegurança dos meus desejos confusos. Preciso também da sabedoria da sua fala tão delicada – quando diz que está vivendo de saudade – para entender o trauma por trás dos meus silêncios incompreensíveis. Enfim: preciso de você. E é por isso que eu escrevo. E é por isso que estou em suas mãos. E é por isso que você está em cada palavra.

Escrevo também para saber como foi o seu dia – se você chorou esta manhã, se você acordou um pouco mais tarde do que o costume ou se, mais cedo, fumou um maço inteiro tentando se acalmar e esquecer por um breve momento as confissões e as confusões do seu mundo, como de costume. Escrevo também para saber como foi a sua noite – se você conseguiu dormir e sonhar e me ver, por pouco tempo que seja, nessas imagens pensadas, nessas imagens prensadas e intocáveis, tocadas apenas pela capacidade de sonhar, mas que ao despertarem serão apenas o que são: lembranças sonhadas. Escrevo também para saber quais são os seus medos e a quem você assusta, quais são os seus desejos e por quem você se ajoelha, quais são suas verdades e a quem você se permite mentir. E, como se não bastasse, escrevo também para saber se você me encaixa no seu tempo, mesmo sabendo que o amor é um temporal atemporal que faz chover e tremer e molhar e, mesmo assim, os esperançosos amantes conseguem enxergar – talvez pela cegueira momentânea das pequenas paixões, talvez pela esperança eterna de um dia acordarem ao lado de um grande amor – um sol quente e amarelo e belo, e denso, imenso.

Escrever para você é respirar, se tornou vital. É meu jeito distante de te ter sempre por perto, sempre por dentro. Mas acredite: eu trocaria, sem sonhar duas vezes, cada palavra já escrita, cada sonho já sonhado e cada silêncio já quebrado, pela sua presença constante, meu amor. Não há mais como esconder o que sinto quando te vejo desfilar pelo meu mundo todas as manhãs como se fosse voar e alcançar um céu límpido – daqueles que não existem mais: sem nuvens, sem vento, sem pássaros, sem deuses para atrapalhar a delicadeza tão humana do seu voo. Não há mais como esconder todas as verdades que eu preciso dizer, aos prantos, aos seus ouvidos e as que eu preciso ouvir, aos tantos, dos seus lábios finos, que ainda preservam tantas palavras não ditas, como se quisessem me poupar de um possível sofrimento; e por isso se calam.

A única dor que você me causa é a dor sufocante e física da saudade. É inevitável. Todos os dias, frios ou não; todas as noites, em claro ou não; em cada minuto, diminuto ou não, você se faz presente, querendo ou não, como um grito gritado aos prantos e aos tantos e aos quatro cantos do meu mundo – que, entretanto, também se tornou um pouco seu. E eu me pego sorrindo, feito bobo. E eu me apego tanto a essa risada, feito louco. E eu me apago num sono profundo, feito poucos. Mas aquela dor sufocante e física da saudade continua lá. Aliás, aqui. E é exatamente aqui que ela segue o seu destino de fazer doer e faz questão de me lembrar todas as noites e com todas as letras e com todas as dores e com todas as cores: que você não é minha. Que você não é minha por enquanto: alívio, esperança. Que um dia, quem sabe, eu poderei contemplar a beleza do seu sorriso todas as manhãs e me alimentar da poesia dos seus olhos grandes e quase negros sempre que acariciar seus cabelos sem te perder de vista. E assim te olhar todas as noites em claro e acreditar claramente que em algum momento ou por algum motivo eu vou estar nesse sonho, desperto e de olhos bem abertos. E é também por isso que eu te escrevo desesperadamente. Escrever para você é inspirar e expirar: é inspirar e esperar: é inspirar e suspirar: é respirar: é preencher o meu mundo com o que a vida me deu de mais improvável, precioso e vital: a possibilidade de um dia viver e morrer nos seus braços infinitos: todas as noites.

Página 1

Com você não preciso alcançar o céu: só é um pouco mais difícil voltar para o chão.

(primeiras palavras) 
I
Estamos numa doce e triste manhã de novembro, em algum lugar bem perto de nós: distante dos outros. E é exatamente onde e quando começa este breve romance. Lá fora, os pássaros voam livres e emitem um som alado e raro: uma quase poesia sonora que voa desesperadamente procurando a textura macia de sua pele para pousar delicadamente e ficar, ali, escrita e acariciada para sempre. Aqui dentro, o chá esquenta as xícaras de porcelana, brancas com desenhos orientais: são flores verdes e rosas e claras e, claro, um provérbio chinês que diz talvez eu te amo, talvez não me beba, sou muito quente pra você, ou ainda me espere esfriar. Os provérbios sempre dizem algo que queremos e precisamos escutar e que faz sentido naquele momento, mas logo é esquecido e tão logo é bebido quente ou frio até sumir em nós, num gole só e seco: como somem as memórias mais doces. O chá ainda esquenta as xícaras de porcelana, antes frias como a brisa que embaçava as vitrines da nossa alma, onde se podia escrever com a ponta do dedo indicador sinto sua falta, meu amor. Ao que tudo indica, os amores nascem assim: do nada. Hoje, as tristes manhãs que precisavam amanhecer, amanheceram felizes por ter escutado pela primeira vez o seu primeiro bom-dia. E as pessoas, cabisbaixas por nunca terem tido o privilégio de te ver desfilar pelo mundo, admiram o chão sujo, empoeirado, e não olham para o céu límpido porque sabem que você existe e brilha mais do que qualquer estrela. Mas elas não importam agora: fazem parte de outro cenário. Meu cenário agora é você. Lá fora, o mundo simplesmente acontece. Aqui dentro, tudo é silêncio. Silêncio e, claro, a sua inconfundível gargalhada. Aqui dentro: você simplesmente acontece.

II
Não sei como nem quando surgiu a ideia de começar a te escrever. Tão pouco sei por que resolvi tirar a tampa dos meus sonhos e tentar descrever da maneira mais simples meus sentimentos mais complicados, meus desejos mais confusos e minhas mais sinceras verdades sobre você, sobre mim, sobre nós. Saiba que eu também não sei o que vai surgir deste breve romance: não parei para reler – você é a primeira e a única leitora destas páginas que outrora estariam em branco, mas que de agora em diante estão coloridas, e elas têm a sua cor.

A primeira porque são seus olhos, grandes e quase negros, que vão procurar em cada letra, uma palavra e em cada palavra, uma frase e em cada uma dessas frases, um sentido. E quando acharem esse sentido, talvez eles brilhem ainda mais do que estão acostumados a brilhar, e consigam enfim entender sem exigir explicação alguma que quem escreve não escreve enlouquecidamente porque quer, mas literalmente porque não quer enlouquecer. E quem ama, não ama perdidamente porque quer: ama essencialmente porque precisa se encontrar. Ou talvez eles não encontrem sentido algum e olhem distraídos para contemplar este imenso céu azul quase invisível, e se percam tentando alcançar a nuvem mais alta – aquela que quase ninguém vê, mas que existe. Existe porque está lá, acima das outras. E, sabe, é isso que me conforta. Nada mais. Saber que você existe simplesmente porque está lá. Saber que você é aquela nuvem distraída de olhos grandes e quase negros que se perde inocentemente neste imenso céu azul quase invisível. E existe também porque está aqui: dentro de mim. E é isso que me conforta. Nada menos.

A única porque, sem exagero, não há nas bibliotecas deste mundo, não há nos pisos deste chão, não há na lucidez das minhas loucuras e muito menos na imensidão das suas ausências, nada nem ninguém capaz de entender o silêncio dos meus poemas, curtos e quase cegos, com a mesma delicadeza dos seus olhos, grandes e quase negros. Eles têm o privilégio de ler as entrelinhas de cada verso, e por ali ficar por horas e horas e dias e dias, até adormecerem num sonho confuso e denso – como são os sonhos dos que amam e não podem se entregar. E eles nunca se fecham porque precisam de vida para morrer, e também precisam se alimentar dessa poesia para continuar a brilhar e a sentir saudades e a mentir verdades. Por isso serão sempre grandes e quase negros.

Já, meus poemas têm a necessidade de buscar nos seus traços o formato de cada letra e o compromisso de catar em suas mãos as palavras mais imperfeitas – aquelas que nunca foram versificadas – e ver se cada eu te amo gritado silenciosamente pelos seus lábios finos consegue me acolher sem dentes, sem me deixar sofrer e só me fazer enxergar o que há de mais belo no amor: aquilo que não se diz. Meus poemas também têm a obrigação de contar nos seus dedos todas as vezes que eu não pude ouvir o tom da sua voz tão deliciada dizer que sente a minha falta. E nesse timbre ficar e respirar por meses e meses e rimas e rimas, até adoecerem num sonho doce e tristecomo são os sonhos dos que amam e não encontram ninguém para se entregar. E eles nunca se ausentam por muito tempo porque precisam das migalhas da sua presença, dos pedaços mastigados do seu coração e de alguns goles das suas lágrimas para não secarem, sozinhos, como os pontos finais dos breves romances sem final feliz. Por isso serão sempre curtos e quase cegos.

Saiba que também não sei muito bem o que pode sair da boca e dos poros e das mãos e dos olhos de um homem de carne e osso e sangue e sonhos que se permite acreditar na realidade de vez em quando. E mesmo que nada faça sentido. E mesmo que eu não consiga me expressar com as palavras certas. E mesmo que você não interprete da maneira mais simples meus sentimentos mais complicados, meus desejos mais confusos e minhas mais sinceras verdades sobre você, sobre mim, sobre nós; saiba que aqui, em cada página, em cada erro ou palavra, em cada espaço ou entrelinha, em cada ponto e vírgula, estão os meus mais vivos pensamentos, aqueles que pulsam e vibram cada vez que pensam nos seus olhos grandes e quase negros. Pensamentos estes que começaram a ser pensados naquela doce e triste manhã do dia dezesseis de novembro de um ano que eu prefiro – e preciso – não revelar. Aquela mesma manhã onde te vi desfilar inocentemente pelo meu mundo pela primeira vez.

III

Estou te escrevendo de coração totalmente aberto: exposto. E o risco de me ferir, nesse caso, é bem maior. Mas sangrar agora é o de menos. Quero falar de você. Quero falar de mim. Quero falar de nós. Coloquei na ponta dos meus sonhos tudo o que o lado esquerdo do meu peito sempre quis dizer, mas talvez por medo de não encontrar as palavras exatas – ou talvez por não saber exatamente como enfrentar os seus olhos grandes e quase negros, e não querer vê-los chorar e manchar essas páginas com o sal da sua dor, deixando então o gosto doce da sua ausência amargurar os meus lábios desmanchados – preferiu escrever. E escrever nada mais é do que falar com mais calma. Falar pensado. É pensar em você do jeito mais improvável e provável: desnuda e delicada. É lutar contra tudo o que me afasta dos seus lábios, finos. É contar para todos o que mais me aproxima dos seus braços, compridos. É enfrentar sem medo de ser infeliz a estupidez que é assumir que eu te amo e querer sumir e te amar: ao mesmo tempo, no mesmo tempo; e ao mesmo tempo é aceitar, sem medir as consequências, a covardia que é você dizer que também me ama e não poder sumir e me amar: ao mesmo tempo, no mesmo tempo. É encostar delicadamente meu corpo frágil na quentura das suas mãos tão frias e me deixar derreter pelo seu abraço infinito. É admirar, sem precisar fechar os olhos, a grandeza e a escuridão das suas pálpebras: que nada mais são do que um véu grandioso e escuro pelo qual você se esconde e não se abre – talvez por ter medo de revelar que a janela da sua alma, hoje, está de portas fechadas.

Pensar em você é abdicar dos sonhos sem deixar de lado o eterno prazer de sonhar. É encarar a realidade com os pés no chão e ter as mãos estendidas na imensidão de um céu noturno e distante, na vã e necessária tentativa de buscar, entre as estrelas mais brilhantes, a delicadeza dos seus traços para te trazer de volta ao meu mundo – e você brilha mais do que todas elas, mabelle. É esboçar o seu rosto no papel, rabiscar os seus olhos grandes e quase negros na textura suja e inexata de uma folha branca e perceber que qualquer rascunho ou traço seu já nasce, na sua essência, uma obra-prima e imperfeita. É descobrir que é literalmente impossível te esquecer. Quando tento te apagar de todas as formas de todos os meus poemas, curtos e quase cegos, até o invisível desenho da borracha, ao tentar te fazer sumir dos versos, acaba te trazendo diversas vezes de volta para essas páginas que outrora estariam em branco, mas que de agora em diante são coloridas, e elas têm a sua cor, e elas têm as suas rimas. Escrever nada mais é do que entender que você não está ali, mas está. É aceitar que tudo ficará engasgado no poderia ter sido. E, pode ter certeza, o poderia ter sido sangra muito mais do que o não foi. E para adestrar essa loucura quase bestial que é sangrar no seu colo e você não ter tempo para estancar o meu sangue, resolvi que, a partir de hoje, dedicarei um pouco das minhas noites neste pequeno diário, nesta curta história de amor ou neste breve romance, chame como preferir: ele é todo seu: você é a primeira e a única leitora – lembra?


IV

Todas as noites você dormirá comigo e amanhecerá nas minhas palavras – vomitadas. Todas as manhãs você acordará comigo e estará nos meus silêncios – engasgados. Todos os dias você nascerá comigo e morrerá nos meus poemas – incompletos. Estará também naquele beijo que não nos demos porque não nos vimos, ou naquela saudade que não bateu porque não nos tocamos. Estará naquela voz embaraçada que não sabe se ama ou se cala e, por fim, estará nos meus passos descompassados quando atravessam desesperadamente a calçada de uma rua qualquer sem olhar pros lados porque sabem que você está no céu e voa livremente entre as nuvens mais altas, como um sonho delicado e perdido. Aquele mesmo imenso céu azul e quase invisível, bordado com infinitas estrelas. E você brilha mais do que todas elas, pode ter certeza. Acho que só assim, por enquanto, consigo te ter por inteira: minha metade. E é uma delícia te imaginar, te pensar, te sonhar. Por mais cruel que seja não poder te ver todas as manhãs para dividir o mesmo café e preparar o seu pão – o mais branquinho da padaria, claro!com manteiga – com sal, obviamente! Por mais que eu não possa sair de mãos dadas com as suas e mostrar para deus e o mundo que você também é um pouco deusa, um pouco mundo e um pouco minha. Digo um pouco porque não podemos ser totalmente de alguém. Isso estragaria a beleza maior que o amor pode nos proporcionar: sermos livres, sendo nós. E tendo-te um pouco sei que te terei para sempre – a liberdade sempre foi a mais bela algema dos amantes em qualquer época, em qualquer tempo, em qualquer mundo. E pode ter certeza que o pouco de mim que sobrevive em você é todo seu. Posso contar contigo até a eternidade ou devo me contentar com as incertezas impostas e postas diariamente em nosso destino? Desde então todas as manhãs de novembro são doces. Doces porque te trouxeram e me fizeram despertar no seu mundo sem medo de tentar ser feliz. Desde então todas as manhãs de novembro são tristes. Tristes porque te trouxeram e me fizeram voar como um sonho delicado e perdido que tenta pousar na sua realidade, mas não consegue. Por que elas te trouxeram, mabelle?

Sunday, October 30, 2011

Lida para Sempre (releitura)

[...]

Quando abro um livro, pode ser um romance qualquer, é você quem me vem à cabeça e aos olhos e às mãos. E não me importa os personagens, se são reais ou imaginados, e não me importa a história, se é fictícia ou vivida, pode até ser curta ou infinita: não importa: penso em você e leio a sua vida: e amo cada página: e amo cada sopro: e assopro cada palavra até embaralhar cada letra e te encontrar, aqui, presa no silêncio da escrita. E assopro cada palavra até embaralhar cada letra e te perder, ali, livre nas algemas da imaginação. Não me importa se o final será feliz ou incompreendido, se os amantes serão infelizes ou compreendidos, compreendo que assim os romances são mais belos, mais eternos: quando o escritor não se importa com os finais, os princípios. Quando o escritor não gasta palavras tentando descrever o impossível e se limita apenas a invadir o campo das possibilidades. É claro que nem todo amor é possível, mas ainda assim, quando abro um livro, pode ser um romance qualquer, penso em você e leio a sua vida. E ela passa pelas mãos e ela passa pelos meus olhos e ela passa pelos meus sonhos como uma vida passa pela eternidade. E é lida para sempre. 

[...]

Saturday, October 08, 2011

A Primeira Primavera de Eloise Hartwies

Você ainda não nasceu, mas já sorri como se conhecesse o mundo de cor, e já enxerga como se tivesse visto todas as cores do mundo, e até se comporta como se tivesse superado todas as dores do mundo. E ainda assim, sem ter começado a viver e ao mesmo tempo tendo vivido tão intensamente, ainda tem toda uma vida pela frente. Mas não se assuste, meu amor. Pode se amedrontar sem medo: viver é justamente matar o que nos assusta, e estamos aqui para te acompanhar. Por enquanto, você faz parte dos meus sonhos confusos e sua voz já ecoa pela minha realidade, pelos meus tímpanos, como se fosse me chamar a qualquer instante e, pode ter certeza, que a qualquer instante estarei lá, lá onde você estiver. Por enquanto, você é fruto da imaginação fértil da sua mãe e sua mão, pequena, já procura a grandeza dos seus dedos para segurar com toda a força que você ainda não tem e se sentir protegida naquele pedaço de pele tão desconhecido, mas que você sabe que será seu daqui pra sempre. E, assim, na ânsia de existir, de ser, sua boca já procura o seio menos distante para se alimentar de vida.

Você ainda não nasceu, mas já herdou o sorriso da sua mãe, que até então eu achava que não poderia pertencer a mais ninguém, mas agora vejo que também é todo seu. E isso me faz sorrir, feito criança. Você também herdou seus olhos grandes: duas sementes negras que precisam da água e do sal das suas futuras lágrimas para brotar e fazer florescer todo o seu brilho, um brilho que eu só encontro quando você esboça uma careta qualquer, procurando as palavras exatas que você não ainda conhece para dizer que me ama. Seus lábios são claros e são finos porque precisam dizer delicadamente o quanto você também a ama, e precisam pedir com ternura e simplicidade sempre que você precisar de um colo ou de uma palavra doce que conforte e acalme a sua alma. De mim, você herdou o fascínio pela sua mãe. E a minha timidez e os meus silêncios que, um dia, serão tão necessários. Principalmente quando você se apaixonar pela primeira vez. E, mais uma vez, meu amor não se assuste. Você, tão logo, vai se decepcionar. As paixões não têm o mesmo sabor. São breves, são loucas, são tantas e, entretanto, não chegam aos pés de um grande amor. Esse sim, eterno. Esse sim, dócil. Esse sim, fértil.

Você ainda não nasceu e já treme, não de frio, mas de saudade do agasalho bordado pelas mãos de sua avó, que você ainda não conheceu, mas que te espera com as mesmas rugas e os mesmos brinquedos. E já teme não ser filha única, soberana. E sente ciúmes do seu irmão mais novo dividindo os meus abraços, os beijos da sua mãe, o carinho dos dois. E quando você chorar, de frio ou de ciúmes, talvez meus ombros não estejam mais aqui porque um dia eu também preciso partir.

Você ainda não nasceu, mas já invade nosso mundo como se estivesse aqui há séculos e olha pra sua mãe como se já tivesse olhado tantas outras vezes para ela e pede para ser ninada como se nunca tivesse sido abraçada. Olho para vocês: ela, nos seus braços que agora são seu berço. Você, iluminada, como se guardasse deus no colo, com a delicadeza maternal de quem esperou nove meses, e esperaria até uma vida, só para vê-la sorrir, só para vê-la enxergar, só para vê-la se comportar como se já conhecesse as dores e as cores do mundo de cor, antes de nascer. 

Tuesday, October 04, 2011

CONTATOS

Para todos que comentaram e eu não respondi. Para todos que apareceram, leram e não deixaram comentários. Para todos que estão visitando pela primeira vez. Deixo meus contatos, acho que fica mais fácil trocar ideias ou não nos perdermos pela frieza do mundo virtual.

Facebook http://www.facebook.com/profile.php?id=100001443710707
E-mail: pedrogabrielcontato@gmail.com

Obrigado, até o próximo post.

Friday, September 16, 2011

Ainda que triste, é amor

[...]

Ainda que triste, de todas as manhãs que eu vi nascer, aquela foi a mais doce e a mais delicada. Doce porque os pássaros que ontem rasgavam delicadamente as inocentes nuvens brancas com a doçura bestial de seus bicos, como se procurassem naquele imenso labirinto azul todos os becos que pudessem me levar até você, hoje voam preguiçosos e lentos e sem direção como se tivessem acabado de fechar as asas e desistido de encontrá-la. Delicada porque as nuvens que ontem se assustavam inocentemente com a indelicadeza dos seus invasores insensíveis, hoje desenham figuras incompreensíveis e coloridas, tentando me fazer compreender de todas as cores que você não pertence mais aos céus, que você não pertence mais aos seus, que, agora, você é livremente sua – como aquelas estrelas decadentes que outrora se exibiam na tela escura da eternidade e que, para viverem de um grande amor ou sobreviverem de uma pequena paixão, aceitaram perder o brilho para ganhar vida.
Ainda que triste, de todas as manhãs que eu vi nascer, aquela foi a mais doce e a mais delicada. Doce porque o vento, que ontem soprava como nunca havia soprado e levava para longe tudo o que me mais me aproximava de você, hoje acaricia suas mãos tão delicadas com a doçura que só quem é vento ou quem é você é capaz de entender, como se quisesse te agarrar firme (mesmo sem ter mãos, por ser vento) e deslizar pelos seus pelos, pela sua pele e penetrar nos seus poros e, por um motivo qualquer – talvez amor – invadir os seus segredos mais íntimos, os seus tímpanos mais atentos e soprar em vão ao pé do seu ouvido: eu te amo. Delicada porque o sol que ontem ainda aquecia nossos sonhos e nos deixava cobertos pela quentura irracional da realidade e ao mesmo tempo descobertos de qualquer sintoma de razão, hoje parece não querer despertar em sua plenitude porque ainda bocejava naquele imenso céu azul, agora quase alaranjado. Talvez sentiu medo como aquelas nuvens brancas que desenhavam figuras incompreensíveis e coloridas. Talvez sentiu preguiça como aqueles pássaros insensíveis que fecharam as asas e desistiram de tentar encontrá-la. Talvez o sol também tenha sentido sua falta naquela manhã e lembrou de quando você ainda reluzia bem perto das outras estrelas – aquelas mesmas estrelas que se acovardaram perante o amor e preferiram brilhar sozinhas e distantes como são as paixões.
Ainda que triste, de todas as manhãs que eu vi nascer, aquela foi a mais doce e a mais delicada. Doce porque foi ela quem me fez abrir delicadamente as pálpebras e despertar na escuridão dos seus olhos, grandes e quase negros. Delicada porque foi ela quem me permitiu morrer na doçura dos seus braços infinitos e ainda assim me sentir tão vivo – todas as manhãs.

[...]

Wednesday, July 13, 2011

Brilhante Ausência

[...]

Na penumbra de um amor ainda incompreendido tento entender a sua ausência. Logo você, que já esteve tantas vezes aqui e comeu da minha boca, e bebeu da minha poesia. Hoje parece refletir e brilhar em outros tantos lugares que não aqui. Aqui onde ascendi seu último cigarro - aquele que dá o mesmo prazer que todos os outros cigarros já tragados, mas tem o privilégio de ser o último. Aquele que só se fuma sozinho. Aqui onde deixei você me amar sem medo de não poder retribuir. Aqui onde me fiz seu e desfiz qualquer pretensão de não sê-lo mais. Aqui onde deus até tentou rezar um bocado pedindo à poesia que você permaneça intacta e confusa, como os versos de amor devem ser. Aqui onde aguardo a luz ou você, tanto faz. Aqui onde guardo você ou a luz, dá no mesmo. Tanto ela quanto você dependem de um amor qualquer para brilhar. Tanto você quanto ela precisam de um amor para sair da penumbra e encontrar o que, nem ela e nem você, conseguem encontrar aqui. A luz tem a vantagem de me entender. Você tem a capacidade de me confundir. E não adianta querer me explicar, nunca vou entender a sua ausência.

[...]